Pop Ato em N. Rodrigues
por maneco nascimento
Um barulho por nós, que amamos a cena revisitada. Assim parece a
primeira impressão mantida com a montagem vinda de Cubatão
(SP) e assinada pelo Teatro do Kaos, companhia das cenas, com apenas 15 anos de estrada, mas com
currículo de + de mil apresentações “curiadas” por 200 mil pessoas.
O espetáculo, “A Falecida”, de Nelson Rodrigues. Dirigido
por Marcos Felipe e Sandra Modesto e, na Direção Geral de Nelson
Baskerville, a montagem traz uma vivacidade que encanta pelo barulhinho
bom de prestar a atenção e pela ousadia compensada de
transformar uma tragédia carioca em musical do morro, como todo o átomo das
realidades triviais amaciadas à cena do lúdico e elaboração dramática moderna.
A Cenografia, de Paulo de Tarso e Teatro do Kaos, rasteja na
simplicidade emblemática de passadiços de madeira que interlinka os núcleos
comunitários do enredo (igreja, casa de Zulmira(s), campo de batalhas
coletivas, funerária, casa do mandachuva do morro, etc.), tablados a quase
sugerir moradias arranjadas sobre palafitas e outras coisas comezinhas de
qualquer periferia, engradados de cerveja e mesa de bar que transformam-se em
escritório, bar propriamente e móveis domésticos.
O Figurino, de Sandy Andrade e Teatro do Kaos, carrega as
buscas pelo representativo, sem ser “over”, nem perder afinidades com cores,
desenhos e aplicações de identidade do grosso das periferias
nelsonrodrigueanas, que não fogem do Brasil de
margem dos grandes centros urbanos de qualquer parte do país.
O mapa de dramaturgia à cena que seleciona três atrizes para dividirem a
personagem protagonista, Zulmira, amplia o gancho original do autor e experimenta, com
sucesso, as nuances da fala social da mesma personagem na boca de trio distinto. Experimentações das
intérpretes para mesmo corredor de Ariadne.
(arte do cartaz/acervo: Teatro do kaos)
O contraponto da dona de casa, seu marido Toninho, também
fragmentado a três atores. Corinthiano genético, o típico modelo à expiação
cênica do Nelson. Desempregado, amante das outras oportunidades
(in)dispensáveis, boa bisca e escorregadio do morro, batata! A dramaturgia compõe três
núcleos distintos, espacializados, da vida doméstica de Zulmira, em que os
diálogos se completam, reverberam ou ecoam em continuísmo dramático eficaz.
Um Nelson musical, com sua cepa
primordial ampliada ao contemporâneo dos funks, rádios comunitárias que falam a
língua das gentes do morro, as igrejas salvadoras das almas e pastoras dos
filhos pródigos e os atos falhos à catarse comum do sincrético e de efeito
epifânico de vida e morte entre o céu e os inferninhos das doces periferias
brasileiras.
Há na montagem o Nelson de todas as horas, o caos
nelsonrodrigueano contumaz e o caos estético do Teatro do Kaos que, em
niilismo assentado, gera potência a risos e lágrimas amargas do universo
obsessivo da Flor do teatro moderno brasileiro. A
Trilha Sonora, de Sander Newton, um “gatekeep”
azeitado em tradição e ruptura reinventadas à alegria da encenação.
Com Patrocínio do Programa Petrobrás
Desenvolvimento & Cidadania e Realização do Teatro do Kaos – Projeto
Superação, a
montagem paulistana de Cubatão à “A Falecida” brinca de
fingimento, com eficácia de correr riscos e repercute um barulhinho bom para Nelson
e Nelsons ampliados. A Flor da Obsessão também é pop e vê-se
preservada em sua essência criativa e criadora da cena moderna nacional.
Dos detalhes da dramaturgia experimentada, as facas de corte em navalhas
precisas e o sangue de mentirinha do dança/teatro contemporâneo. A dramaturgia
coreográfica limpa, ilustrativa da energia juvenil dos intérpretes e rica de
novidades à nova cena digerida. Da nova dança o “mètier” de apresentação de elenco e suas partituras
corporais de intérpretes-criadores e solos particularizados.
Os ruídos das favelas, uma polifonia dos discursos individuais que se
organicizam na força cênica de cada ator e atriz do drama dissecado.
Allana Santos, Barbara Paiva, Camila Sandes, Carolina Ribeiro, Diego
Saraiva, Edson Candido, Fabiano di Melo, Hugo Henrique, Jose Lira, Levi
Tavares, Lourimar Vieira, Lucas Wicklaus, Marcus Vinicius, Miry Lima, Myller
Oliveira, Paulo de Tarso, Sander Newton, Sandy Andrade e Tamirys O’Hanna, um
coletivo provocativo e concentrado na veia do autor revisitado.
“A Falecida”, de Nelson Rodrigues para o Teatro do Kaos e do Teatro do
Kaos para a cena contemporânea, um ótimo exemplo de uma “morta”
muita viva. Um teatro pulsando vivacidade. Teatro vivo, da hora e do exercício
aplicado.
(arte do cartaz/acervo: Teatro do kaos)
Pop Ato, na quebra do paradigma à nova leitura em práxis do teatro
brasileiro de hoje. O centenário de Nelson
Rodrigues também pelo diverso da reinvenção dramática de raiz.
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