Beleza pura
por maneco nascimento
“[...] expressar o particular do
artista moderno: a capacidade de ver no deserto da metrópole não só a
decadência do homem, mas também de pressentir uma beleza misteriosa, não
descoberta até então.” [(1991,
p.35-36) Baudelaire IN Fiedrich IN Reinaldo, Lilásia Chaves de Arêa Leão. A
poesia moderna de H. Dobal. Teresina: UFPI. 2008, 184 p.]
A lírica moderna, invenção de
Charles Baudelaire, nos permitiria ver beleza na fuga do padrão convencional de
“beleza e verdade” clássica. Autor de “Flores do Mal” é também detentor da obra
“Sobre a modernidade” (2004) em que, segundo a pesquisadora Lilásia Reinaldo,
“O feio adquire condição de belo
na modernidade porque para o poeta e o leitor da poesia moderna, o belo antigo
não provoca mais os mesmos efeitos ou emoções. Numa acepção possível, o feio
tem sua beleza, não porque tais conceitos tenham sido realmente modificados,
mas porque na modernidade a poesia ‘transvê’ seus objetos.” (Idem)
É dessa nova poesia “transvista”,
através de novas linguagens e desconstrução do óbvio, que a Casa de Zabelê
apresentou resultado de pesquisa, de janeiro até setembro deste, para o
espetáculo “Cores – Pintando o Mundo de Alegria”, com dramaturgia coreográfica
assinada por Kiara Lima.
Em mundo de novas contemporaneidades e
urgências de sobrevida a cada “abate de um leão”, a Casa de Zabelê completa 16
anos de atividades continuadas em interações a crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade, na cidade de Teresina.
O Projeto da área, também do lúdico artístico, possibilita um salto de qualidade no universo da decadência social banalizada que aponta em qualquer centro urbano brasileiro.
O Projeto da área, também do lúdico artístico, possibilita um salto de qualidade no universo da decadência social banalizada que aponta em qualquer centro urbano brasileiro.
Beleza, pureza de política de
aplicação coletiva do fazer cultural, insistência em ampliar o campo de visão
da sociedade, pouco acomodada no eixo das políticas públicas oficiais de
cultura e, intenção cultural de minorar dificuldades interrelacionais e
sócio-políticas do estado e sociedade é que a Casa de Zabelê manteve
laboratório de apropriação artística à clientela facilitada.
De um número de 110 pessoas
atendidas pelo Projeto Casa de Zabelê, nas diversas atividades oferecidas, 51
crianças e adolescentes compuseram a montagem de dança contemporânea de “Cores
– Pintando o Mundo de Alegria”, vista no palco do Theatro 4 de Setembro, dia 25
de setembro de 2012, a partir das 19h48, a um público de amigos, familiares,
pessoas afins e curiosos.
Do espetáculo um enredo que da
coreografia “Sombra, inexistência da Luz” (preto) seguida, ao alinhavo, por
“Luz Pura” (figurinos em branco), “Sombra e Luz” (branco e preto), “Pingos de
Tinta” (primeiro exercício de mistura de cores), “Da Cor do Céu” (azul), “Verdejar
das Folhas” (verde), “Arco-Íris” (o diverso do matiz), “A Cor do Amor”
(vermelho) e “Mundo colorido de Alegria” (coletivo do elenco em todas as
cores).
O figurino, uma pedagogia de
apresentação das cores através das coreografias ensaiadas ao resultado
proposto. Graça e encanto de crianças, pré-adolescentes e adolescentes em
visita à sala do artístico. Um desempenho coletivo da arte estimulada à fuga do
lugar comum das vidas comezinhas e encontro com o artístico potencial presente
em qualquer um e, para aquele espetáculo, nas meninas da Casa de Zabelê.
A coreógrafa, Kiara Lima, brincou
de trazer à expiação pública o exercício da dança praticado em sala ao tablado
da cena profissional. Consegue atrair a atenção do coletivo que dança para
desenvoltura escolástica de representação do eu no outro e do outro facilitado
ao coletivo de identidade social.
“Uma flor nasceu na rua! (...)” e
que “(...) Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.” (‘A Flor e a Náusea’:
Carlos Drummond de Andrade) e mantém-se em teimosa existência a despeito de
qualquer sinal em contrário porque de natureza viva. Um canteiro regado há 16
anos pintou cores em toda a memória construída e repercutiu respostas sociais
em Teresina.
Nessa noite de apresentação de
espetáculo e despedida direcionada aos pais e familiares das crianças
assistidas, a diretora da Instituição, Carla Borges, declarou que a Casa de
Zabelê passa por dificuldades financeiras à sobrevivência e que a partir do dia
26 de setembro de 2012 fecharia as portas até que houvesse uma solução de
repasse de recursos via convênio ASA/PMT.
“(...) Façam completo silêncio, paralisem os
negócios, garanto que uma flor nasceu (...)” (‘A Flor e a Náusea’: Carlos
Drummond de Andrade) e há de sobreviver às intempéries contextuais desse agora.
Ninguém completa 16 anos, bem vividos, para morrer no ócio do descuido oficial.
As cores, de natureza viva, da
Casa de Zabelê já romperam o asfalto e invadiram a conveniência da comodidade
dos ofícios públicos. Têm força de impor-se sobre o senso comum e a beleza pura
conservará a própria sorte.
Esse pássaro de cores e voz
lírico-moderna ressoará nas plagas desse nicho em aridez enredada. “A província
deserta” não poderá prescindir da arte que salva o homem.
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