Triângulo das calças compridas
por maneco nascimento
A Miramundo em Repertório - Conexão
Nordeste, apresentou dia 28 de julho de 2012, e repetiu dia 29, às 20 horas, no
palco do Teatro Municipal João Paulo II, o projeto crítico reflexivo a partir de
observação das chagas sociais e vivências ao coletivo da cena expiada. Sua
versão para violência doméstica e seus desdobramentos tomam força dramática em “História
de todos os Dias”, com texto e direção de Michelle Cabral.
O espetáculo se fortalece na luz
do revela, esconde os recortes dramáticos selecionados para contar o tema das
três personagens narradoras do enredo. A criação de luz é de Nina Araújo e a operação
da iluminação de Thyago Cordeiro. Os claros escuros do drama apresentado vão
delineando as sombras da violência e os lapsos de clareza que surgem para
memórias de dores, baixa estima e labirintos do esquecimento. O melhor desenho
da dramaturgia de “História de todos os Dias” passa pela luz.
O espetáculo inicia-se com atores
em vestimentas neutras e na prática de exercício de relaxamento preparatório
para a densidade do que vão apresentar. A cenografia composta, araras em que as
personagens narradoras vão buscar elementos (adereços e figurinos) para
ilustrar o contador de história da vez. O triângulo das personagens narradoras
varia para memórias infantis de calças curtas e outras adultas às de calças
compridas.
Os intérpretes Fátima de Franco,
Heriverto Nunes e Ricardo Torres dividem as ações mapeadas em que ora são de opressores,
outras de oprimidos. As brincadeiras, canções de rodas e cirandas infantis
também definem a linha divisória entre as memórias infantes e as adultas. Há
uma carga denso-interpretativa e lingüística seja de quem narra, seja de quem
representa o teatro discursivo e quase panfletário e imagético feito à cena.
A dramaturgia, de imagens coreográficas
e composicionais, tem apelo forte em que os corpos falam + tênues aos tempos de
silêncio. O paradigma é quebrado quando surge o texto e elementa outros contextos
para mesma variação do tema. Há momentos em que Fátima de Franco destaca-se em
sóbria violência testada, noutras submete a personagem a encolhimento pertinaz
do violado.
Heriverto Nunes desliza entre o
cabra marcado para bater e o cabeça da fila na liderança de brincadeiras. Os
tempos em que divide personagens infantis com Ricardo Torres e Fátima de Franco
talvez enfraqueçam a construção. Aliás, esse é momento que, por vezes, há uma
baixa das interpretações.
Algumas personagens narradoras
crianças parecem construídas da maneira + fácil. Surgem na forma de caricaturas
infantis, com vozes e trejeitos que quase nunca repercutem o real daquela idade,
parecem apresentar deficiência fonolinguística e retardo de discurso inteligente,
mesmo em contexto de “pobres” crianças violadas.
A dramaturgia literária de
Michelle Cabral, uma denúncia da cultura da violência, presente desde as
brincadeiras infantis até o + rígido colapso de memórias de exceção, de perfil
do regime governamental brasileiro da ditadura. Discurso chocante, não poderia
ser apolítico haja vista tratar-se de histórias contumazes, fatos em drama
cultural nacional, para qualquer viés socioeconômico.
A cenografia da gaiola dos “loucos
desviados” sociais, um símbolo muito forte da prisão que vai encolhendo, como reflexão
do inchaço de presos nos cárceres brasileiros. Brinquedos torturantes,
fantasias e drogas, lúdicos invertidos apresentam o enredo para conflitos que
mordem o calcanhar de heróis e de pessoas comuns, até criar espécie de
identidade com a cena posta.
A pesquisa de sonoplastia, assinada
por Diana Mattos, equilibra o tenso do exposto e desmitifica o denso da cena
dramática. “História de todos os Dias” pode até parecer distante de qualquer
realidade que conhecemos, por transferir-se ao palco na forma de jogos
dramáticos, mas está + presente no cerne de qualquer um, negue-se ou aceite-se
como fato dado.
É história de todos os dias. Reprodução
de contextos sócio-culturais que, por vezes é empurrada para debaixo do tapete.
E pesa como armadilha em triângulo de calças compridas, no país maravilha.
Simplesmente magnifico...
ResponderExcluiro atrabalho é mesmo muito bom de ver.
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