sábado, 21 de julho de 2012

Liberdade de expressão


 Liberdade de expressão
por maneco nascimento

NOTA
A Guarnição Federal de Teresina integralmente solidária ao 4º. Exército a 10ª. Região Militar, no firme propósito de preservar a paz e a tranqüilidade do povo teresinense, faz veemente apêlo para que todos confiem na patriótica e democrática ação das Forças Armadas, colaborando de maneira decisiva, na preservação da ordem e segurança da família brasileira. Nesse sentido, o comando da Guarnição recomenda a todos indistintamente, que se abstenham de participar de quaisquer pronunciamento ou manifestação pública, que porventura venham perturbar o clima de absoluta tranqüilidade, ora reinante nesta Capital, os quais serão enérgica e prontamente reprimidos.
Quartel em Teresina, 02 de abril de 1964.
Francisco Mascarenhas Façanha
Coronel Cmt. Da Guarnição Federal de Teresina.
” (IN Oliveira, Marylu Alves de. Considerações sobre o Discurso Anticomunista no Jornal “O Dia"/[Rádio: encruzilhada da história: rádio e memória/orgs. Francisco A. Do Nascimento, F. C. Fernandes Santiago Jr. – Recife: Bagaço, 2006. 278p.)

Assim começavam os discursos salvacionistas da democracia nacional, sob o viés do estado militar instalado no Brasil, naqueles fins de março e início de abril de 1964. O Golpe de 64 vem justificado pelo temor da ameaça vermelha do comunismo. O estado militar e seu Estado Maior das Forças Armadas banca praça nas decisões do país e segue-se a ditadura, com firme endurecimento do discurso.

Os ataques aos comunistas vêm também e, às vezes, expressivos, através da imprensa da direita estabelecida e, atendendo ainda a interesses da hora. O que antecedeu ao golpe militar e ou corroborou à formação de opinião pública contra o comunismo tem seu tempo de persuasão e convencimento popular.

Comunistas “comedores de criancinhas”, ou estatizadores dos bens e propriedades privadas e privadores de liberdade, se trouxeram pavor a pessoas esclarecidas, o quanto não fez aos menos atentos a modelo sociopolítico de nivelamento de direitos a partir da forma de governo. 

Segundo Marylu Oliveira, na pesquisa detida em jornal tradicional de Teresina, “No discurso anticomunista do jornal ‘O Dia’, a liberdade era fator determinante, tanto que o comunismo estava associado à ideia de escravidão como sugere a frase: ‘queriam escravizar-nos à Moscou, à Cuba e à China Vermelha’” (O DIA, 1965, n. 1.498, p.07 IN Oliveira, Marylu Alves de. Considerações sobre o Discurso Anticomunista no Jornal “O Dia"/[Idem])

De qual escravidão nos livraríamos pela força armada do exército brasileiro e seus brigadeiros e em que armadilhas da nova sorte seríamos forçados a seguir.

Para Alcides do Nascimento, o movimento das tropas que davam sustentação ao golpe lançado contra uma experiência democrática tinha começado dia 31 de março e se estenderia a 2 de abril daquele 1964, quando notícias chegadas pelo rádio informavam que “(...) o presidente da República, o Sr. João Goulart, tinha deixado o País rumo ao Uruguai, e os militares se preparavam para assumir o Comando do Estado brasileiro (...)” (Nascimento, Francisco Alcides do. A Censura e o Rádio no Piauí./[Rádio: encruzilhada da história: rádio e memória/orgs. Francisco A. Do Nascimento, F. C. Fernandes Santiago Jr. – Recife: Bagaço, 2006. 278p.])

O Brasil acordou para anos que se seguiram com salvoconduto contra o comunismo e comunistas que queriam entregar o país nas mãos da ameaça vermelha. O pesquisador aponta que começava uma longa noite para as instituições democráticas e para aqueles brasileiros que ousaram e ainda ousariam (grifo meu) discordar dos que detiveram o poder político nacional.

Dos discursos anticomunistas de preparação ao Ato governamental militar e os seguidos Atos de exceção, a (de)formação da opinião pública ganhou caráter de confirmação do novo regime imposto ao país, e o muito do vivido passou à posteridade como a força da nova lei e regras de nação sob o jugo de dias de chumbo conhecidos. E os anticomunistas verteram energia para legitimar o golpe contra as liberdades de expressão.

Os que em nome da democracia, atacavam os comunistas eram os mesmos que defendiam o latifúndio, proibiam o voto dos analfabetos e tinham horror a greves ou qualquer manifestação de trabalhadores em defesa de seus interesses imediatos de classe” (MAZZEO, 2003, p. 88 IN Oliveira, Marylu Alves de. Considerações sobre o Discurso Anticomunista no Jornal “O Dia"/[Rádio: encruzilhada da história: rádio e memória/orgs. Francisco A. Do Nascimento, F. C. Fernandes Santiago Jr. – Recife: Bagaço, 2006. 278p.)

A imprensa ou foi se adequando, ou foi sendo paulatinamente empastelada. Jornalistas e radialistas passaram a ser controlados pelos fiscais do regime e

(...) homens e mulheres que fizeram e fazem o rádio no Piauí, portanto jornalistas (...) tiveram como sombra militares acompanhando o trabalho de cada um, chamando, às vezes, a atenção desses atores, em decorrência do emprego de uma palavra considerada ‘perigosa’, por rodar uma canção avaliada como portadora de mensagem contra o regime (...)” (Nascimento, Francisco Alcides do. A Censura e o Rádio no Piauí./[Rádio: encruzilhada da história: rádio e memória/orgs. Francisco A. Do Nascimento, F. C. Fernandes Santiago Jr. – Recife: Bagaço, 2006. 278p.])

 na década de 1980, tive um desprivilégio de ter que demonstrar um ensaio geral de espetáculo de teatro para o “peixe”, um policial federal que vinha conferir se não havia algo que desabonasse a democracia do regime militar. Mas isso já era em tempos bem próximos da abertura democrática a que concorreram, naturalmente, países latinoamericanos que insistiam na linha dura de regência de governo.

Nos dias de chumbo, imprensa e atores do diverso da comunicação social e de massa sofreram reveses que a história da resistência preservou à posteridade. Quando esses dias chegaram ao Brasil, nos idos de março de 1964, eu era criança e demoraria muitos anos para que compreendesse sobre ideologias, democracia, liberdades e exceção.

Naqueles dias de minha infância, para os suspeitos, vigiados e delatados, foram tempos de violência moral e física, de torturas e desaparecimentos alguns, ainda, insolúveis. A comunicação parecia não manter ruídos pela força da lei regimentar. Os programas populares de rádio também tinham que adequar-se pela sobrevivência de continuar a existir e preservar a vida dos profissionais da área.

(...) pelos programas de animação comunitária não podiam utilizar canções que denotassem qualquer tipo de crítica porque tinham o trabalho censurado (...) Os militares efetuaram prisões, e elas não foram poucas, nos meios de comunicação no Piauí. Expuseram as vítimas para intimidar os companheiros de profissão (...)” (Nascimento, Francisco Alcides do. A Censura e o Rádio no Piauí./[Rádio: encruzilhada da história: rádio e memória/orgs. Francisco A. Do Nascimento, F. C. Fernandes Santiago Jr. – Recife: Bagaço, 2006. 278p.])

Liberdade de expressão houve para defensores e algozes das liberdades. Foram dias difíceis. Hoje refletimos sobre essa página obscura da história brasileira e contamos como memória a não ser repetida, mas jamais ser esquecida.

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