quinta-feira, 1 de março de 2012

Bossas do coração


Bossas do coração
por maneco nascimento

Nem sempre, nem muito menos, é fácil compor uma boa música. O bom de tocar um instrumento é que se pode experimentar e, ao descobrir a veia da composição, nasce a canção. Fátima Castelo Branco, cantora e compositora, descobriu seu próprio caminho na música popular brasileira.

Concorrente de festivais da canção, nos anos de 1993 e 1995, surgiu para o público como compositora no Canta Nordeste. Em 2001 lançou “Pedindo um Tom” e registrou em cd e songbook o que já vinha ensaiando às raias da canção brasileira.

O bom resultado daquele trabalho e o contínuo laboratório da composição primaram nova entrada. No final do ano de 2011, Fátima lançou “Bossas de Verão” que considera uma forte expressão da carreira investida.
Composições afinadas traquejam o repertório apresentado no novo investimento, sambinhas bossa em que “Meu coração/Se contenta com as quimeras/Das estações/Quem me rege é o tempo da paixão (...) Se é chorinho que ele gosta/Eu sei fazer/Se é nas coxas ou nas costas/Eu também sei/Se é cachaça ou limão/Eu bebo então (...)”. A artista fala de saúde do amor no coração e das horas de verão, sejam das praias cariocas ou de Roma ou Ravena, em “Estate ou Verão”.

Interpretações tranqüilas, já apoiadas por eficientes jogos de palavras, memórias do amor, do desejo, da pureza do pobre coração sem malícia, nem preguiça de amar, o alô das flores coloridas e também da prosa nascida doAmor Via Embratel”.

Ao tecer canção delicada, “Samba de Outono”, tranversaliza o velho português com o italiano, filhos do latim comum, “(...) Tristezza, per favore vai via/Eu sou Maria da alegria e da folia/Tristeza por favor vai embora/Eu sou Maria e a alegria está na hora.

As memórias religiosas e das bocas de barro e arte de sua cidade natal, nos Altos de seu sertão, surgem ao revigor da fé e oração cantada, emBoca de Barro”, na homenagem aos santos e manifestações da cultura popular e que descansam em seu coração de compositora sensível e burilada para sambas muito bem instrumentalizados.

As letras são simples e ricas de emoções e destinos bem definidos à pauta de cifras musicadas, porque seu simples contém verdade das construções fraseológicas. Brinca de metalinguismos às letras musicais em(...) Minha escala tão cromática de dó vem sustenir/O amor é matemático também é pra se ouvir/Vem engolir o choro da paixão em semitons (...)”.

É assim que fala de amor, emUma Mulher (Crê)”, e inspira intertextualidade mítico-histórica ao definir-se (...) Tua espada é uma mulher/Nas mãos de um semideus/Mortal e imortal se crês/Ou nas garras de um ateu/Crê, tua luz é uma mulher/E esta mulher, sou eu.” Defende o amor e a entrega do amor a quem sempre mereça.
(foto do ensaio para "Bossas de Verão"/fotógrafa Ana Carolina Martins)

A compositora detém-se em um turbilhão de devoção amorosa à feita de DrummondPra jogar no mar teus girassóis/Eles foram sós por sobre as ondas (...) Acho que não era eu/Acho que não era eu (...) No mar mora você e eu/ E um girassol que se perdeu.”, “O Mar e o Girassol”, poesia pura em nota musicada.
 (foto da capa de "Bossas de Verão"/fotógrafa Ana Carolina Martins)

Em “Nosso amor”, interpretada por Dandinha, o amor é de toda parte, do mar, da arte, de Renoir, da lua, “das estrelas que são tuas”, das sinfonias de Bach e da doce canção dessa FátimaOnde o governo é o nosso coração”.

E em picante sustenido compõe beijo que acende fogo, blues e solfejos de sons de línguas amantes que misturam a libido com as salivas e em seu programa de domingo “solta os bichos” numa trilha de “Um Blues Pela Cidade”.

Com humor de quem aprendeu e colhe o riso das construções de sons e tons de boa música, Fátima graceja numaIdeia com Acento” para evoluir gramáticos brinquedos composicionais em queEu sou ditongo crescente/Formando um hiato com você (...) É a átona da sílaba e eu a tônica/Sou seu eterno dilema como o velho trema/Escondido em meu poema (...) O novo acordo ortográfico não é tão geográfico (...) Mas vê se entende meu Português (...)”.
(foto do ensaio para "Bossas de Verão"/fotógrafa Ana Carolina Martins)

De brincadeira séria em brincadeira livre, a letrista trabalha sufixações sonoras do R numa marchinha intituladaVamos Pensarrrr Rrrr...” e se desarma na seriedade da cantora (...) Pra botar mais rrrrrr neste carnaval (...) Ninguém pensa melhor que Nikita/Vó, ‘o rato roeu a roupa do rei de Roma...`”, em exercício brincante de trava-língua. 

Para romance de confissão, emDiscreto de Doer”, não nega a doidice do amor que, sem pedir licença, opinião e na desobediência (...) chega meio assim, desajeitado/Brinca e ri do seu passado/Descompassa o coração/Vira a cabeça e faz chorar sem ter razão/O amor em mim nasceu/Tão discreto de doer (...)

Fátima não é só uma ótima compositora, mas sabe traquejar com o risco das palavras e descrever, competentemente, para melodias de canções as armadilhas das paixões e de amores rendidos aos amantes.

Ainda apresenta um pout-porri, na dobradinha de vozes envolventes, a dela e a de Dandinha, às músicas “Teu Coração Ainda É Meu”; “Teu Traquejo” e “Pedindo Um Tom”.

Fecha o produto em grande estilo, para Bossas do coração, ao brindar homenagens à cultura piauiense do turismo, das praias e serras azuis, da gastronomia, das memórias afetivas e festas populares, das geografias do coração povoado deNossas várzeas, nossos rios/Vaqueiro aboiando e tambores ancestrais (...)Trago em meu peito o Brasil/E dentro dele o Piauí (...) minha Teresina/E dentro dela a minha cajuína (...) Eu trago a morenice brasileira mais bela/de Manuelaem versos deManuela Cajuína”.
(foto do ensaio para "Bossas de Verão"/fotógrafa Ana Carolina Martins)

Fátima CBranco em suas bossas, sambas de verões, na melhor pauta da canção, um prazer aos ouvidos e um convite à boa música popular brasileira.

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