domingo, 27 de setembro de 2015

Incomunicabilidade

(in)comunicação do amor
por maneco nascimento

As vozes são de Jean Cocteau, trazidas à voz de Cláudia Ohana, em facilitação dramática do diretor de cena, José Lavigne, para o texto "A Voz Humana", do ator, diretor de teatro, dramaturgo, poeta, cineasta, romancista, artista visual e surrealista francês.

Em temporada de três dias  no Theatro 4 de Setembro, no horário das 20 horas, a peça se despe da natureza pudica para se vestir de natureza humana, frágil, comum e de vida que recai sobre qualquer um(a) que se tenha apaixonado, amado, perdidamente, e encontre no(a) outro(a) a despedida dessa expectativa alimentada a ferro e fogo, como se não houvesse sopro de resfriamento de sentimentos tão efêmeros e puerilizados pela natureza seletiva da humanidade.

Dramaturgia de cena limpa, econômica e dentro de uma atmosfera realista de cenografia (Edgar Duvivier in cenário instalação) de quarto, sala e elementos comuns largados ao chão. Uma cama/divã; uma mesinha de sala para descanso de cinzeiro e, parceira, de lado, de um sofá/poltrona, onde a personagem passa + tempo, quando a ambientação foge do quarto à sala. E o telefone, sua ligação com o mundo exterior.

(o telefone, seu mundo exterior/imagem divulgação)

Ao fundo, recortando o ambiente dramático, um painel, de base em branco, com visagismos (Pino Gomes) em vermelho, a realismo figurativo numa sinergia de, talvez, emoções emendadas pelo fio da paixão a signos que se completam e se estreitam na ilustração de parede da casa/apartamento.

O painel se abre aos lados (direito e esquerdo) feito duas folhas da porta/janela, ou asas em voo significativo de necessidade de alçar retiro a novo limite. Das extremidades das folhas ao centro, ponto de vértice das asas, segue um estreitamento a garantir uma alusão de dinâmica a um ponto de voo.

A luz (Felipe Lourenço) requer à técnica que implica o recorte do drama de voz mansa, para a economia naturalista que a dramaturgia impõe à cena. Aquece e esfria o ambiente, à mercê da acomodação da narrativa, que eleva o tempo da atriz à personagem e da personagem suscitada pela direção e atriz.

Os figurinos (Carla Garan) compõem bem, vestem com sobriedade a atriz à personagem e dão, à segunda pele, leveza e pureza aplicadas na cor neutra, chambre preto, e um pequeno sinal de um tom sobre outro tom, quando em breve momento um casaco de pele (oncinha) é composto para uma saída que não se realiza. Um sapato preto de passeio fecha o "composè" que cria identidade de vestuário da personagem.

A direção (José Lavigne) equilibra concentrada fidelidade ao texto de Cocteau. É clara, eficaz da direção para atriz e, em resposta, desta ao diretor de dramaturgia de cena. Não há exacerbo de drama, nem apelos fáceis para prender a recepção.

Há uma acuidade em manter a plateia ligada na (in)comunicação de duas pessoas que tiveram uma relação e que, a determinado momento, fica difícil cumprir o rito de desligamento. Poderia haver um naturalismo, de televisão, transferido ao palco para neutralidade dramática. Não desmerece o acento dramático da atriz à personagem, mas fragiliza, talvez, a tonicidade de densidade autoral.

Mas, salvo, esses pequenos escolhos de incrementar Cocteau e mantê-lo sem tragédia de teatro morto, é uma cena econômica, deslizada em marcas fora do mapeamento acadêmico e de registro de corpo que fala sem gastos, mas de gestos menores com enfurecimento de maior em contenção.

Mesmo nas cenas + dramáticas, há um cuidado em nunca deixar sobrarem gorduras. E as recomposições, de drama ao neutro e naturalismo, concorrem com tranquilidade e aptidão da arte do/a ator/atriz e método repercutido na facilitação da dramaturgia de direção.

O texto (Jean Cocteau) é inteligente, instigativo, dramático mas com "insights" de risível prospectados na narrativa dramática. Reflexivo de relações amorosas e seus imbricamentos de ter que deixar o(a) outro(a), ou não se deixar convencer pelo ter que deixar fluir as perdas.

Atualiza as velhas e mesmas relações desgastadas, e comuns a qualquer mortal, que não encontram eco de passado, porque relações humanas são cíclicas e voltam como as marés. Diria que tema da praça de Paris, Groenlândia, ou Pequim. Expiação de vozes de natureza humana.

[“A Voz Humana” subiu aos palcos pela primeira vez em 1930, pela voz da actriz Berthe Bovy. Na altura, a peça foi vaiada. Ao longo dos tempos, este tem sido um dos monólogos mais cobiçados pelas mais variadas actrizes. Maria Barroso, Eunice Muñoz, Isabel de Castro e até mesmo o colectivo Raquel Dias, Margarida Cardeal e Ana Moreira foram algumas das mulheres que já deram voz às palavras do poeta francês. Em 2013, Carmen Santos assume o desafio de subir ao palco com este texto, contando para isso com a encenação do realizador de Quinze Pontos na Alma e de FlorbelaVicente Alves do Ó.
No texto de Jean Cocteau, a amante ama verdadeiramente um homem, que lhe mente e lhe foge por entre os dedos. A sua única forma de o agarrar é usar a palavra, fazer-lhe chegar a sua voz, através de uma linha telefónica...] (http://www.ruadebaixo.com/a-voz-humana-vicente-alves-do-o-teatro-trindade-23-08-2013/acesso 27.09.2015 às 22h54)

Texto do terceiro decênio do século XX deve ter mesmo escandalizado e trazido à tona vaias a quem, com coragem, defendeu as vozes cocteauanas em "A Voz Humana". Se nos anos sessenta brasileiros chegava por aqui a brisa do liberalismo sexual feminino, na França de 30, provavelmente, as mulheres já urgiam liberdades e posturas de defesa do próprio gênero em livre arbítrio.

"A Voz Humana" que aponta fragilidade feminina, talvez, tenha criado certo incômodo, na época, porque não entendida a clareza do discurso do autor que expia à reflexão da mulher que ama incondicionalmente.

A atriz de teatro, cinema e televisão brasileira retoma o tema cortejado por muitas outras atrizes e atualiza velhos temas ao século XXI e o faz pelo mesmo motivo, trazer à cena as vozes do dramaturgo francês em reflexivo d'a Voz humana.

(as perdas e enganos da relação amorosa/imagem divulgação)

A personagem de Cláudia Ohana à personagem de vozes de Jean Cocteau prende, afeta, aproxima as naturezas de identidade românticas e torna a recepção incluída no exaspero de amar e não deixar o seu amor livre para amar, ou de rejeitar, por julgamento precipitado, o comportamento da amante que reluta em deixar seu amor ir embora.


Cláudia soa livre, tranquila, empertigada no acerto dosado da lição de atriz. Desvela texto de forma clara, fala a meio tom, mas na noite do dia 27 de setembro, não havia qualquer burburinho da plateia. A pequena assistência estava envolta no enredo da personagem regurgitado pela atriz.

Ohana completa o rito de passagem, do exercício do fingimento à persuasão da recepção, com segurança, classe e estilo de manter o teatro leve, economizado pela neutralidade dramática e naturalismo acertado em dose de contar e recompor drama, sem perder a essência, nem fidelidade ao autor, e ainda manter a plateia acesa ao discurso de amor perdido que a trama enreda.

É linda para a personagem e fiel a sua práxis de atriz e método. E sua beleza fica toda emprestada a quem prospectou na arte do convencimento. As falas sociais e vozes de Cocteau estão muitos presentes em Cláudia Ohana e muito atuais porque de natureza humana.


Ganhou em ensaios e rugas e dobras desse universo plano que conspira arte e cultura da cena de palcos. 

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