de “crônicas
desaforadas”
por maneco nascimento
“(...) pessoas que até hoje já passaram pelas formações do Centro
Cultural Português apenas confirmam uma evidência demonstrativa do poder que a
arte cênica tem de nos impregnar até aos ossos. Não é por acaso. E ninguém como
algumas personalidades que já vivenciaram a arte cénica nas suas vidas para nos
ajudar a definir este mistério por palavras. Garcia Lorca, dramaturgo, escreveu
que ‘o teatro é uma escola de pranto e de riso, e uma tribuna livre onde os
homens podem pôr em evidência morais velhas ou equivocadas e explicar com
exemplos vivos normas eternas do coração e do sentimento humanos’; Luís Miguel
Cintra, encenador, defende, numa sentida declaração proferida no Dia Mundial do
Teatro, que a arte cénica ‘não é uma arte individual, é uma arte coletiva. No
teatro não se pode trabalhar sozinho. E ainda bem. O teatro ensina a viver. A
viver com os outros e para os outros’. Finalmente, Mário Lúcio Sousa, atual
Ministro da Cultura, escreveu numa crônica que ‘depois da fome, duas desgraças
podem arrasar uma nação: a morte do Teatro e a Agonia do humor”.
Cá está o porquê de, nos tempos de hoje, a arte cénica ainda ter essa
capacidade de fazer brilhar no olho humano a luz que reflete a capacidade de
sonhar: porque o teatro é livre, porque enfatiza o coletivo ou porque a sua
ausência pode acabar com o espírito de uma Nação. Dezembro 2011” (Branco,
João. Crónicas Desaforadas. Lisboa: Rosa de Porcelana. 2014. 142 p. [Até aos
Ossos] - Coleção Em Se Plantando, Tudo Dá)
(as vozes, o artista e sua obra/imagem reprodução)
Textos intensos, escritos com
clareza de coesão e coerência de discurso, de denúncia e facilitação reflexiva
acerca de artístico, comportamento, sociedade, língua, linguagem, nação,
teatro, corpo e sangue cênicos, em tratados de arte e ofício na ilha de Cabo
Verde, cidade de Mindelo.
Crônicas reunidas de reflexões de
escritos, em anos de trabalho que marcaram inquietações e a necessária
oportunidade de discutir o fazer e o manter a arte e a vida ativas a
gosto e a contragosto do tempo de existir e ser dramático no palco e nas
vivências que marcam experiências na mão e contramão da escolha da profissão,
de ser artista.
30 crônicas em tempo datadas e
dispostas em descendência, de 2013 a 2008: “Oh Amor, Dam Um Koza!” [.13]; “Os Dois Lados do Silêncio”, “Ensaio Sobre A Má Língua”, “Às Mulheres
de Cabo Verde”, “O Coração de Inês”, “Ensaio
Sobre A Cegueira”, “A Cidade do Pecado” [.12]; “Um País Inteiro de Pés Descalços”, “Até Aos
Ossos”, “Let’s Talk About Sex”, “Vamos Lá”, “Dentro, Perto & Baixo”,
“Limpemos As Nossas Cabeças”, “O Nosso Maior Pecado”, “O Sentir da (na)
Criação”, “Somos Todos Amigos”, “A Minha Caixa de Pandora”, “Odisseia No(s)
Espaço(s)” [.11]; “A Crise”, “O
Espírito Mindelact”, “A Nação Ainda É O Que Era?”, “De Profundis”, “Ministério
da Dor”, “Onde Estão Os Nossos Mestres”, “Uma Sentida Declaração de Amor” [.10]; “A Morte do Nosso Cinema Paraíso”, “Os Equívocos da Crítica”, “O Meu
Mundo Por Um Sorriso”, “Manifesto Teatral” [.09] e “Um Dragão na Garagem” [.08]
Das misérias e degradações de natureza das cidades visíveis
invisibilizadas pelo descuido político; dos silêncios, do silêncio do teatro e
do silêncio da omissão; da má língua que está em toda parte; o papel da mulher
e a reflexão sobre a nova atitude que quebre tabus deterministas; do(a) filho(a)
de peixe com alma de artista; da cegueira social que imobiliza as sociedades;
das cidades orgulhosas de sua imagem, mas com equipamentos culturais
intangíveis esquecidos, olhados de soslaio; da cidade, de Cesária, descalça, já
sem sua Diva; do teatro da pele até aos ossos; da cena de identidade da vida real.
+ dos processos criativos da arte, da cena; dos discursos e práticas
políticas reprodutoras dos velhos costumes; a arte e educação de segundo plano
político; o disse me disse fora d’essência das relações; abrir a própria caixa
de pandora; tempo e espaço cênicos, interior e exterior d’arte; a crise
econômica mundial e as crises do corpus social; a obra em arte do festival
Mindelact; quebrar a mesa, acordar à realidade.
E, ainda, da condição humana, a condição artística; romper com a anestesia
social e ser + política de razão e sensibilidade; + mestres livres do lago das
vaidades; lição de amor e sodade; a morte de equipamentos culturais; as
leituras enviesadas e de fé cega da crítica; a perda do sorriso social;
manifestar o fazer cênico que espelha a si próprio e o mito do dragão na
garagem no contraponto de que o artista é sua obra e práxis de realidade.
Se não é assim que fala
Zaratustra, mas é assim que brada Branco. Esse poeta, escritor, ator,
diretor, encenador, dramaturgo da cena e homem da arte que não quer
amortecer-se. Estar vivo, conflitante, arguto e perspicaz para não perder a veia
criativa da arte do teatro e da vida que se interpõe na cena dramática.
É um cronista desaforado, esse
João Branco. As crônicas arvoradas de verdades inquietantes, mas
necessárias de provocações para que se acorde para as leituras do mundo, que
dinâmico urge que se aprecie a vida e o tempo, sem moderação. Não perder a
ternura, enquanto rígido, mas sem também enlear-se no éter das vaidades
ardentes e cintilantes.
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