Filhos da cigarra
por maneco nascimento
Esopo foi, é, um dos artistas da história literária universal que melhor traduziu a didática moral do trabalho, valor do trabalho e produção e mercado.
Há a versão da cigarra que morre sem a solidariedade das formigas ("Moral da História: Os preguiçosos colhem o que merecem." A Cigarra e as formigas - Esopo*) e a em que a cigarra é acolhida no seio quente das formigas operárias ("Moral da História: Os artistas: poetas, pintores, músicos, são as cigarras da humanidade." A Cigarra e as formigas - Monteiro Lobato*) .
A primeira versão, pelo menos, pode se aproximar muito dos dias em que produção e trabalho definem quem pode estar no meio do mundo capital.
O artista brasileiro, M. Lobato, com alma de artista, revaloriza a moral da fábula capital e solidariza respeito e dignidade ao artista que, como cigarra da humanidade, alegrou os dias de lavor aos dias de descanso e entretenimento ao mundo de produção e negócio que não o da arte.
(ilustração de Gustave Doré/colhida da wikipédia)
A arte exige dedicação, amor, renúncia do trabalho visto como + tradicional e escolha de labor que nem sempre recebe o valor que melhor dignifique a profissão. No Brasil, salvo poucas e espelhares exceções, artistas chegam na idade da cigarra com uma pequena, ou quase nenhuma proteção para gozar o descanso da melhor idade.
No país em que esse mercado formalizado tem pouca idade e a síndrome da marginalidade da profissão ainda continua em processo de desconstrução, as cigarras enfrentam toda sorte de intempéries sejam nas relações de trabalho, sejam no descuido, por vezes, de quem afere o valor do trabalho do artista. No Brasil, a regularização da profissão de ator, por exemplo, tem a meia idade de 35 anos. Muito jovem e, dependendo, do mercado e centros de produção, pode o profissional das cênicas ser melhor, ou pior absorvido.
Exemplos particularizados. O governo do estado convida artistas de teatro há, pelo menos, 16 anos para reproduzir a história da Batalha do Jenipapo, ocorrida às margens do riacho do Jenipapo, no município de Campo Maior, ao norte do estado. Aquele confronto, entre roceiros e canhões portugueses, deflagrou a dramática história de adesão do Piauí à causa da Independência do país, sendo esta província do norte (nordeste) a primeira a aderir ao processo de desligamento da colônia à metrópole.
(um Cavalo de Batalha pelo cachê/foto cel. Jorge Carlo)
A mímesis da história, para palco dramático, ocorre sempre no dia 13 de março, data da guerra sangrenta e desigual. Desigual também o tratamento que o governo do estado destaca aos artistas contratados para representar o ato heróico. Em treze de maio fará dois meses de espera dos artistas para receber o cachê pela prestação de serviço.
(elenco d'A Batalha do Jenipapo/foto cel. Jorge Carlo)
O descuido do governo de estado político da Fundac não consegue dispensar atitude criativa para resolver esse pequeno problema. A gerente do DAC (Departamento de Ações Culturais), num ímpeto de deslumbre, acabou transformando em ato de demagogia a falta de traquejo para assuntos de trânsito e burocracia dos empenhos e PDAs da fazenda política. Prometeu que, até dia 30 de março deste, os artistas receberiam o cachê devido, baseada no prestígio do deputado dono da capitania herepartidária dos negócios de política e eleições.
A gerência central daquela pasta cultural do estado, em seu afã de brinde político do cargo, parece não ter conseguido, com este, o prestígio suficiente para negociar solidariedade e respeito às cigarras que cantaram na estação de orgulho político do espetáculo reproduzido às autoridades. O tempo de espera das cigarras por uma resposta prática e justa não se concretiza. A fábula de Esopo se instala.
Os governos, nas esferas de decisões, se acomodam, em seus gabinetes de poder de reizinhos e, "relaxam e gozam", e riem das cigarras enquanto reproduzem discurso de prazer apológico e fazem suas as palavras emblemáticas da ministra da cultura petista.
Solidariedade, ou falta desta, e negócios de cachês com acordos, em separados, também fazem parte dessa fábula moderna de negócios de espetáculos, quando envolvem artistas locais e nacionais.
Os nacionais recebem, em acordo antecipado, 50% do cachê no ato de assinatura do contrato e 50% logo após a apresentação. Os artistas locais ficam esperando o tempo da política de poder e interesse particularizado para saldar a dívida com a prata da casa.
Durante os festejos do Dia Mundial do Teatro, 27 de março de 2014, essa mesma Fundac contratou um arremedo de stand up, vindo de São Paulo, amigo do amigo da pessoa do DAC. O stand up comedy já levou o seu.
Os artistas locais ainda aguardam o tempo dos governos de estado da cultura atual solidarizarem efeito com as cigarras daqui. + de 50 atores e atrizes do espetáculo "A Batalha do Jenipapo" também esperam solidariedade política dos gestores atuais da cultura estadual e da casa da fazenda que conta e distribui anéis e moedas.
Outro exemplo singular, "A Paixão de Cristo de Bom Jesus" conquistou uma década de trabalhos eficazes para teatro a céu aberto, no Salão da Serra de Bom Jesus, plantado em parque ambiental natural daquele município do eixo do milagre de sojeiros.
Naquele município ao sul do estado, o espetáculo de construção dramática e direção de Frankli Pires, coordenação de produção de Bid Lima e assinatura de administração, de recursos públicos, realizada pela Associação de Filhos e Amigos de Bom Jesus, também tem seus dias de capitalismo e + valia.
(elenco Paixão de Cristo de Bom Jesus/foto Silva Jr.)
Pelo menos nos últimos seis anos aquele projeto também rendeu-se ao mito urbano das celebridades e heróis forjados na mídia de massa. Artistas de televisão foram incorporados aos trabalhos da Paixão que também move artistas de Teresina e daquele município que detém o espetáculo.
+ uma vez os artistas nacionais e seus contratos diferenciados e seus acordos de proteção de trabalho prestado recebem sua solidariedade financeira metade antes e metade logo após concluída sua "parte" no trabalho. E pousam pra imprensa, fãs e políticos que os laureiam e até cigarrinhas imberbes que não compreendem a fábula esopiana.
Esse espetáculo, que ocorre na Semana Santa, está com menos tempo de espera. De 18 de abril até a presente data, só dezoito dias se passaram e ainda não se teve concluída a prestação de serviço. Falta ainda o pagamento do cachê do "cache" local e com domínio muito + eficaz na cena, já que são artistas da cena e não da caixinha mágico do videotape. Esopo não poderá nos socorrer porque a fábula moral é de reflexão, transformação e novas reflexões.
Estaremos concluindo na cidade, nessa próxima terça, 6, o Fórum das Artes Cênicas 2014. Foram encontros, até aqui, proveitosos e recheados de atitudes refletidas na perspectiva de mobilização coletiva e democracia cultural a partir de políticas públicas de cultura.
Na semana passada, o alçado a presidente da Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves, Lázaro do Piauí, convidado para um diálogo sobre políticas públicas à cidade de Teresina e a Lei A. Tito Filho, de incentivo cultural do município, não compareceu ao encontro. Alegou doença na família à ausência. Enviou seu soldado com patente de representante, mas sem representação oficial da pasta.
(Ana Regina Rêgo e Lari Salles - Fórum Artes Cênicas 2014/foto cel. Fco. de Castro)
O Fórum resolveu então remarcar a data para a terça, 6 de maio, a partir das 9 da manhã, na Sala Torquato Neto, para contar com a presença de Lázaro do Piauí. Numa tentativa de fazê-lo vir para fora da sala confortável de seu gabinete, com status de secretário de cultura municipal, e misturar-se com os comuns. Sair do mundo natimorto de poder oficioso e receber o sol da liberdade de franca conversa.
Nesse Fórum se tem discutido o papel do artista, a profissão, Leis de incentivo cultural, políticas públicas e postura e atitude de negociar com os gestores para que não se perpetue a fábula da cigarra, em que solidariedade e respeito à dignidade do outro nunca sejam praticados.
As cigarras da humanidade também pagam contas, trabalham por expectativas de receberem por seu trabalho, em tempo hábil, e não devem favor a qualquer gestor, ou promotor cultural com arrogância de patrão d'O Operário em Construção (Vinícius de Moraes - 1956).
"Era ele que erguia casas/Onde antes só havia chão./Como um pássaro sem asas/ Ele subia com as asas/Que lhe brotavam da mão./Mas tudo desconhecia/ De sua grande missão:/Não sabia por exemplo/Que a casa de um homem é um templo/Um templo sem religião/Como tampouco sabia/Que a casa que ele fazia/Sendo a sua liberdade/Era a sua escravidão(...) [O Operário em Construção/V. de Moraes**]
As cigarras da fábula solidária de Lobato não negam a arte, a profissão, nem o artista. Reforçam que artista também doa seu trabalho diferenciado e importante na construção social da humanidade, mas precisa ser visto como todo profissional que deve receber por seu trabalho realizado.
A fábula de Moraes, brechtinianamente, nos imbui da necessidade de ser político e dialogar, insuspeitamente, na atitude de dizer não que é dizer sim à liberdade de construção social e cultural.
Cigarras sim, relegadas à própria sorte não. Diálogos abertos devem existir sempre com gestores. Prática que os forcem a romperem esse tratamento indigno, mantido com artistas e seu tempo de cigarras, à margem de atitude de políticas de cultura públicas e de ausência de solidariedade com a arte e o artista em seu papel de profissão.
Paixão 10! Paixão. Eternamente, mas com senso político e crítico de proteção social a categoria profissional.
fonte de pesquisa
* (http://tiapaulaeducadora.blogspot.com.br/)
**(http://www.passeiweb.com/)
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