"A dramatização não é envelope formal e redundante, é suporte pedagógico adaptado ao contexto oral" (Diagne, 2005, p. 160 IN Antonacci, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ, 2013. 288 p.)
Palavras na linguísticas do corpo, ritmos, gestos, mensagens traduzidas no cotidiano, por grupos que têm, no corpo, força decisiva para medir mensagens e contornar dispositivos de poderes que orientem desenlaces de viveres, é fala de defesa da professora doutora da PUC, Maria Antonieta Antonacci em "Memórias ancoradas em corpos negros".
E uma boa resposta artística reflete esse eterno retorno e pertencimento de diásporas revitalizadas no ato da Cia. Balé Baião de Dança Contemporânea (CE).
Demonstra vigor e energia em gráficos policêntricos de vivências do intangível de cores, formas, vibrantes e expressionistas vocalizações corporais invocando miríades que se instalam no dimensionado palco do material aos espirituais vórtices dos viveres representados na memória ativada.
O espetáculo "Negrume", apresentado na noite do dia 12 de maio de 2014, no palco do Espaço Cultural "Osório Jr."/Bar do Clube dos Diários, a partir das 20h, reflete festas de memórias ancestradas nos corpos contemporâneos e celebra vidas e teatro em danças e rituais reatualizados, na prospecção da estética do corpo oralizado.
(Negrume, no palco do "Osório Jr."/foto Valdemar Santos)
Esculturas e partituras de corpos cartografizam e marcam tempo e espaço na narrativa de razão oral, reflexionada no mapa corporal dos criadores intérpretes, Gidalto Paixão, Viana Júnior e Pergentino Davi, que visibilizam beleza e atenção estética de ampliação das memórias recuperadas dos subterrâneos do mundo ocidental que nos rodeia.
E os corpos falantes, da Cia Balé Baião de Dança Contemporânea, revisitam a própria história e a ["presença da voz" cuja "manifestação mais reveladora é, sem dúvida, a universalidade e perenidade daquilo que nós designamos pelo termo ambíguo de teatro"] e os discursos da própria história refletem vozes portadoras de mensagens prospectadas da erosão do utilitário (Cf. Zumthor {1997, p. 56} IN Antonacci, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ, 2013. 288 p).
A encenação, em simbólicos representativos de economia dramática, se revela em pulsações e gestualidades distanciadas, sem negar teor de dramas memoriais de calor revivificador às diásporas aproximadas, na comunicação dramatúrgica, em tons e timbres da fala do corpo, que polifonizam enunciação do corpus, sensualidade, sexualidade, entidades emblemáticas afrodescendentes, espiritualidade e vida de coletivos incorporados.
(corpos dramáticos em "Negrume"/divulgação)
Corpos performáticos, dos criadores intérpretes, em transgressões estéticas, reiteram arquivos presenciais das memórias do corpo cultural que revelam as buscas e arqueologias aos saberes, guardados e sobreviventes na "decolonização" exercida nos caminhos da diáspora que manteve a comunicação original dos saberes naturais de África em Brasil.
Pesquisas e interlocução com contextos locais, comunitários, dinamizam cultura de tempos e lugares memoriais e quebram o rígido da modernidade em nosso ocidente intrínseco, guarnecem beleza e plástica sincera e mergulhada no corpo contemporâneo que, como defende a Cia., a estética e dramaturgia coreográficas desenvolvidas nascem de inquietudes, ânsias, buscas e achados históricos, configurados na cena em experimentações do corpo e investigação continuada a códigos de ações e tensões corporais licenciadas ao ato cênico.
Com direção coreográfica e facilitação pedagógica de Gerson Moreno, para êxito na geografia de artistas criadores, o espetáculo "Negrume" detém força de ação que impressiona pela naturalidade do gesto simples e economia aquecida para o teatro físico e, como defende a Cia. Balé Baião de Dança Contemporânea, a linguagem se instala no contato-improvisação e na dança afro-contemporânea.
Das brincadeiras infantis de confronto e resistência de corpos brincantes, a narrativa evolui para jogos dramáticos + concentrados no dialogismo étnico e aproximação de estudo e razão lúdica com quilombolas plantados no estado cearense.
Dessa intenção de ciência e sensibilidade integradas "Negrume" esclarece ao público corpos profanos e corpos santos, que ressaltam a invisibilidade presente em cada um de nós, pluricultural brasileiro, e reiteram memoráveis composições de histórias e cotidianos sociais e interagem o corpus étnico em corpo do interior a exteriores urbanos, suburbanos, globalizados e ascendentes na técnica e linguística artístico cultural da cena da dança cearense.
"Negrume" que também aproxima identidades e pertencimentos pela trilha original, repercutida por Viana Júnior, ecoa nas vozes corporais de Gidalto Paixão, policêntrico em simetrias e assimetrias de terra e fogo transversais; Viana Júnior, generosidade e descentralização da personagem óbvia para encontro pleno da construção da personagem com alma, corpo e sensível e delicada nuance de vozes em gestos simples e ternos; e de Pergentino Davi, o cambona da incorporação dramática, que guarda, no movimento pequeno e desenhos direcionais da dramaturgia, seu sinal de voz, em corpo envolvido no corpus da encenação.
O desenho de dramaturgia coreográfica, de Gerson Moreno, reúne encontros e encantos repercutidos na escolha de cena que alia etnias e conceitos estéticos e demonstra acuidade de escolha de valoração, de fator histórico e vetor de memória transversal, em tempo de globalização e tecnologias de escopo social pueris. Ainda compõe a equipe, de "Negrume", Cacheado Braga, responsável por registro audiovisual e mídias.
("Negrume" Prêmio Funarte de Arte Negra/divulgação)
Prêmio Funarte de Arte Negra, o "Circuito Negrume: Desbravando o Nordeste Quilombola" gera orgulho de recepção estética, através do espetáculo "Negrume", ao gerar investigação e novas fusões nas tradições culturais que abrigam diferença e identidade, diásporas de aproximação em comunicação de estéticas na cena.
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