por maneco nascimento
"(...) teatro é literatura. No entendimento clássico, desde a Grécia Antiga, teatro era próprio do gênero dramático, um dos gêneros literários (...) o teatro ou drama [texto dramático] estava contido na literatura, assim como o teatro [texto pefomático] também está contido na performance, e possuía uma unidade de ação e de tempo (...) A performance de textos literários possibilita o tratamento de questões que, de outra maneira, jamais seriam observadas quando apenas lidas. Ainda que o texto preceda a encenação no contexto considerado, é através da performance que a ressemantização, a releitura, e a reconstrução de sentido são possíveis. Todos esses processos requerem contato profundo com o texto original para uma encenação efetiva (...)" (Não deixe de drama: do texto literário para a performance. Érica Rodrigues Fontes, artigo opinião IN Revista Revestrés No. 25/ jun. jul. 2016, pags. 20, 21)
O Theatro 4 de Setembro recebeu, na tarde de 18 de agosto, às 15, uma grande cena da Pequena Companhia de Teatro, de São Luis do Maranhão. Pequena, a Cia., porque é formada por dois atores intérpretes criadores, um diretor-dramaturgo de cena-encenador-iluminador e cenógrafo + uma produtora.
Mas, com um Grande salto de cavalo cobridor (para lembrar título de obra homônimo de autor piauiense) que paira no ar das recepções livres, sejam para teatro, literatura, performance, humanidades interativas e filosofias ampliadas efeito de ler-se sobre o lido e mergulhar-se nas fendas da imersão da encenação proposta.
"Velhos caem do Céu como Canivetes", com os atores Cláudio Marconcine e Jorge Choairy e direção de Marcelo Flecha é um libelo expressionista de teatro vivo, provocativo e de estética apurada na insistência de chacoalhar a assistência, enquanto preserva a ciência estética de razão e sensibilidade dramática, na quebra do purismo da humanidade e reinvenção cênica, pelo viés de tradição e ruptura de paradigmas da espécie.
Quer discuta realidade literária e de ficção empoderada do real, ou licença poética de vidinha corriqueira de homens e bichos, anjos e mortais, decaídos e espécimes falhas, as verossimilaridades do real e fantástico materializados se tornam obra una, para homens e homens corporificados às personagens que abrem discussões de natureza decaída das vagas olímpicas, ou míticas do eterno retorno que se está sujeito, pois objeto de expia do dna escorpião.
Flecha atira na maçã e derruba a macieira pela raiz, para que o homem genérico se compreenda no intrínseco a que está imbricado na memória do éden e memorial arquetípico das vezes de divinos e mortais à mesma semelhança e paire na realidade que se nos está à mostra, quando se possa retirar os olhos da lago perfeito e olhar para dentro de nós mesmos e nos reconhecermos filhos degredados de um paraíso, à feita da ficção criada pela humanidade para poderes ou norte do + sobre o menos.
A lição dramática nega o paraiso e antropofagia qualquer necessidade de manutenção da falha aureada de divino.
[Inspirada no conto “Um señor muy viejo com unas alas enormes”, de Gabriel García Márquez.
Com dramaturgia e encenação de Marcelo Flexha, a narrativa apresenta duas personagens em permanente exercício dialético: um Ser Humano, representado pelo ator Cláudio Marconcine, e um Ser Alado, representado pelo ator Jorge Choairy. Um ser alado cai no quintal de um ser humano. É a partir dessa premissa que a narrativa se desenvolve.] (defesa de dramaturgia)
Na esterilidade discursiva, seja do texto dramático, seja no texto performático, a afinada dramaturgia, construída pela Pequena Cia. de Teatro, apresenta efeitos estéticos cênicos que detêm feito mágico de prender a plateia, sem que se perca a recepção brechtiniana de fuga da catar-se coletiva. Enquanto se explora a "tragédia" humana, se reflexiona identidade e identificação com o ser alado, ou o ser humano que há dentro de cada um(a) da recepção de "Velhos caem do Céu como Canivetes".
A cenografia elemental de compor e fazer parte mimética das variações de vidas, entre o árido e o "sublime" ingênuo, das personagens do diálogo, não deixa gorduras, é eficaz. Abre mundos de sobras do lixo humano, em dialética da lixeira a meio que intertextualiza com o que possa ser o homem ou o bicho bandeireano que vive e se alimenta do lixo da própria espécie; o enviado pasoliníco que erra a função e de protetor vira presa da fera (protegido), ou ainda o primitivo que alça a sobrevivência com queda do mais frágil da cadeia.
A luz, em discreta visagem camaleoa, interage suave sem que a própria explosão da energia interfira na expansão das margens do humano, que está mais à mostra. O figurino afigura o neutro delicado de segunda pele e, mesmo, quando andraja o identitário direcional, corre por dentro, como a iluminação, complementarizando a ação dramática sem vazar da estética apurada.
A maquiagem e composição corporal das personagens do ser Humano (Cláudio Marconcine) e ser Alado (Jorge Choairy) liberam uma economia ruidosa, do + no mínimo que reitera beleza e labor de bem fazer a práxis da construção da personagem, consignada na construção do ator e método.
O arrastado do caminhar do velho, que pesa a aridez sentimental, em curvatura corporal discreta, à sobrevivência, sem concessões românticas, é de um fruto permitido a doce deleite da composição do ator. Um bruto em amor a sua própria sobrevivência e pragmatismo degustado nas palavras enfáticas de tornar o mundo seco e direto. Um Marconcine Ser humano à efígie de um deus das castas de Baco.
Em contraponto, o ser Alado, de Jorge Joairy, impulsiona leveza de compor às pontas dos pés um quase levitar densionado pela decaída, a ficar na linha divisória entre o divino e o mortal. O corpo fala, numa ingenuidade atômica de restos e rastro da estrela mãe e há uma variável, entre o quase potestade e o desprotegido à cilada a que foi submetido, como missionário do Senhor.
Na dialética do Bem nascido e do Mal, desprezado, abandonados a própria sorte, o jogo de sobrevivência e dessorte vai definir os rumos dos dois seres e define os intérpretes como fiéis da balança, em licença poética, mergulhada na literatura nobelina de Marquez, contemporaneizada à autoria de assinatura marceloflechiana, sem que haja qualquer desmerecimento da obra original, ao contrário, há uma amplificação da natureza dramática, em que mergulhou a Pequena Cia. de Teatro maranhense.
"Velhos caem do Céu como Canivetes" cai sobre a cabeça do público para pesar reflexão acerca da natureza humana expiada e revelar teatro vivo, com acuidade da boa práxis do teatro brasileiro de expressão nordestina.
Evoé, cena maranhense!
Parabéns ao Amazôniaa das Artes por possibilitar essa interação estética com Flecha e sua trupie.
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