Esboços brazis brasileiros
por maneco nascimento
O Homem, o tempo, a flor na boca. Kuarup, Kraôs, Gueguês, Gurgueias,
Tupinambás, Avá Canoês, TupyGuaranis... cunhatãs, curumins, cunhãs, culumins, Peris,
Cecis, periguetes, peguetes, abelhinhas, zangões, fêmeas, machos, homens,
mulheres, machões, marcados, maculados, frenesis, corpos, mercados da “carne
mais barata...”, gentis, insutis, gentios, gentes urbanóides da fina flor nascida
à boca da terra brasis, de “Esboço Brazil”.
(um corpo gentio, com a flor na boca/foto: Fábio Novo)
À noite, às 18 horas, no palco do Theatro 4 de Setembro, o Ato 27
Ano 2/Ano Zé Afonso trouxe, à cena, o espetáculo de novadança “Esboço Brazil”.
Uma criação e direção dramatúrgica e coreográfica de Luzia Amélia, numa
realização da Cia Luzia Amélia.
Ao vigor de primeiras entradas, papagaios e bandeiras,
bichos e gentes e heróis brilhantes das glebas ideais brasilianas, das terras
gentis, expiaram o espetáculo de dança que abre a cena para rituais primitivos
de marcas e signos primordiais ao som de Um Índio, de Caetano Veloso. Se corpos
dançam, porque não falariam? Quando inquietos buscam fugas de prisões, enquanto
vociferam “in corpus parla” liberdades, em expressionismos de linguagem da
dança.
(o corpo que fala/foto: (Cia. Luzia Amélia)
Luzia Amélia, Andreia Barreto, Giordano Bruno, Francisco
Geronço e Francisco Nascimento (Chicão) esboçam brasis em “Esboço Brazil", espetáculo de dança
contemporânea que capitaneia os filhos da pátria diversa e suas idiossincrasias
e estratos culturais da manifestação social que caiba, a cada um, em seu contexto
de atuação antropológica, pela reinvenção da cultura criada pela antropologia
social.
(da gênesis ao quadradinho do corpo falante/foto: Cia. Luzia Amélia)
Numa cadeia de
evolução das falas do corpo, em suas linguísticas de interação de arte popular,
a radiografia antropológica de nascimento da alfabetização corporal às novas
formas de expressão ao diálogo de sensual. Sugestões e ressignificação
simbólica da arte, de apresentar corpos, às luzes midiáticas pelas novas sugestões
de interação sócio-cultural de futuros e mercados.
Um bom peso à abertura, de medidas reflexivas das inquietações que povoam esse tempo de novos olhares e
dores às novas sobrevivências do universo urbano, que vende e compra futuros
deslumbrantes, ou deslumbrados.
O homem com a flor na
boca; o gentio com a dor da forca que mata, sem tirar-lhe a vida; o pardo
estarrecido na parda manhã das culturas e suas indústrias culturais que lhe
cobrem o corpo, lhe devoram o sopro natural de vida original; o falso branco, o
negro, o mulato, o mameluco, o cafuzo, o branco de sangue brasis, extasiados às sobras das
tangibilidades do caldeirão da cultura que se lhe torna peculiar.
(licenciados com a flor na boca às falas do corpo/foto: Cia. Luzia Amélia)
No brasão das
igualdades, nas diferenças, o corpo induzido aos prazeres domados pela força das
temporalidades e simultâneos das linguísticas, que expressam origem, enredo,
desorigem, desenredo das vidas e mortes compensadas ao original das veias muito
sangue, posto insangue de compor novas histórias ao modus operandis, dos novos
rumos intangíveis, da queda do berço original brasis.
Luzia Amélia apela às
discussões de pertencimentos, identidade, empoderamento às vias e avessas de
perder-se de bem ser, ou não ser, sujeito de própria história objetada a ser estranho
alienígena que vindo, de uma estrela midiática, reduz o corpo natural
social às sobras capital das indústrias culturais.
O que pareceria uma
esteira, trançada a palha e dedos primitivos, tapete de descanso e ascensão ao
âmago da consciência, é flâmula reluzente, questionadora e impetuosa à busca da
reflexão, acerca das vezes sociais que geram os cotidianos urbanos das
periferias e franjas sociais brasileiras, enveredadas ao + da casa grande
incorporada ao “mètier” das novas culturas febris.
Amplia olhar sobre
posse, domínio de machos sobre fêmeas, ou sobre machos, prostituição, quebra de
tabus dos mundinhos perfeitinhos, negação da identidade e da língua que é mãe,
é pátria, é aldeia gaudiana. Ou nada nega, só reflete que o homem(genérico) é
produto do meio que o instala como bode de expiação, ou tratador do gado
tangido.
Às estéticas criativas
e criadores do ato dramático, Luzia Amélia e o Corpo, que dança seu mapa
dramatúrgico, aspira confiança e talento a corpos que falam, inspira atenção e
concentrado da recepção aos efeitos plásticos expandidos, à energia da matéria
atomizada, pelo corpus em movimento nas linguísticas cênicas interagidas.
Não cumpre enredo aristotélico,
mas dialoga apelos socráticos de dar informação que encontre eco de retorno ao
objeto refletido e abre o olhar do sujeito que, animal, é o único que ri de si
mesmo, para não perder a máxima aristotélica.
“Esboço Brazil”
inflexiona ações de compreensão da própria aldeia expiada e impulsiona
discussão sobre o umbigo nosso de cada dia. Luzia, Andreia, Giordano, Geronço e
Nascimento (Chicão) expropriam a própria mora e repercutem no eu o outro que
detido no bolo social.
A dramaturgia que
revela igualdades e diferenças, em corpos distintos, grandes, pequenos, “inadequados”,
magros, rechonchudos, longilíneos, belos e “malditos”, imprimem força de ver na
diversidade o paradigma da construção social, com suas reais e necessárias
diferenças.
Os figurinos, que se
vão enredando às ilustrações das marcas antropológicas do “velho” ao + pós
moderno e contemporâneo, defendem bem as costuras dramáticas. A luz, Pablo
Erickson, aquece os ícones e pictóricos construtivos na sinergia da ação cênica
e abstrai qualquer expectativa que fuja do ato dramático. A trilha, de pesquisa
adequada, preenche os ouvidos e amplia a sinestesia que decola, aos olhos
atentos e audição detida, aos emblemas e signos de corpos embalados à música que inspira as
falas do corpus in corpo que dança.
“Esboço Brazil” caso esboce, ainda, projeto de afinação do material dramático a ser concluído, já se
basta como Elemental de boa investida. Há + forte zelo cênico à + forte intenção
de abrir olhos, desanuviar ouvidos e impingir o ato dramático que quebre o silêncio
das línguas mortas, destrua a quarta parede e inclua esse homem(genérico) brasis
no olho do furacão, que escafandra a ferida social recoberta por uma
pomada de mata e cura, sem efeito xamã curador.
“Esboço Brazil” esboça, numa lente do amor das licenças poéticas e na radiografia social, um esboço do
Brasil afeito à efeméride das indústrias culturais que se apropriam de
linguagens da cultura e geracionam o kit do espelho da mass media, deus do Narciso
retornado.
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