por maneco nascimento
10 anos de insistência em abrir flancos ao teatro, turismo de espetáculos, encenação religiosa a céu aberto e cena viva contemporânea, numa onda marinha, em que público e elenco interagem sobre o Salão da Serra de Bom Jesus, é assim que se instala a Paixão de Cristo de Bom Jesus.
Paixão com direito da plateia a fazer comentários diretos aos atores e atrizes e dos artistas a recuperarem até sugestões naturais, em seu pé do ouvido, ou a indisfarçada renúncia da recepção que se envolve e escolhe por quem "torcer", a Paixão de Cristo de Bom Jesus ganhou corpo de teatro profissional e sem deixar nada a dever a nenhuma manifestação desta estética, em qualquer lugar do mundo.
No último dia 18 de abril, Sexta Feira da Paixão, a partir da 18h30, quando o Salão da Serra de Bom Jesus (local plantado em parque natural nas imediações da cidade do Vale do Gurgueia), recebeu a décima versão da Paixão de Cristo de Bom Jesus, a noite estava pronta para um grande espetáculo.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Todo artista precisa de público empolgante e expectador para valorizar a arte a ser ofertada. Naquele ambiente, as idas e vindas de espectadores. O sopé da serra já indistinto pela quantidade de carros e outros transportes que trouxeram as gentes para ver + uma vez a representação da saga trágica do Filho do Homem.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
O bom retorno de público cabe ao desempenho eficaz de Franklin Pires, dramaturgo e diretor do drama revisitado; Bid Lima, atriz e coordenadora de produção e figurinista/aderecista; Danilo França, incorporado ao elenco como ator e assistente de figurinos e adereços; Adelina Barbosa, assistente de produção e cambona dos serviços de apoio, durante todo o processo de acomodação da encenação; Fábio Novo, mentor intelectual do projeto e padrinho da sobrevivência, por uma década, da resposta que o espetáculo precisa, através da prospecção de recursos e investimentos à cena de Bom Jesus, entre outros que compõem a Associação de Filhos e Amigos de Bom Jesus, a realizadora do evento.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Dez vezes repetida a cena e dez vezes sempre uma novidade apresentada pelo texto inteligente e inquieto de Pires. As versões da Paixão andejaram pelas visões dos Apóstolos, Maria de Nazaré, Judas Scariotes, Lúcifer e Jesus Cristo e sempre havia um texto inédito para recontar a dramaturgia. Talvez nunca se repetir, embora variasse sobre o mesmo tema, deu um referencial distinto a Franklin, quando impôs sua identidade de autor/diretor e qualificou teatro contemporâneo para tradição e ruptura.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Nesse 2014, a visão do espetáculo foi a de Cristo, já experienciada em 2013, mas com a inclusão de falas e trechos de enredos de todas as versões de uma década de encenação. Testemunhar a franca evolução teatral e maturidade de artistas e dramaturgias foi o que sempre garantiu a manutenção da fidelidade à Paixão de Cristo de Bom Jesus.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Ver as crianças, atores e atrizes mirins, do Núcleo de Dramaturgia de Bom Jesus, crescerem com o espetáculo é, não só participar da informação cultural e social daquela cidade, como repercutir ação artística e cidadã da formação de plateia e geração de teatro futuro.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Do elenco de Teresina, que é elemento cativo da encenação, vale referendar Bruno Lima que, em plena maturação do próprio talento, compôs, neste ano, um Anjo decaído (Lúcifer) bastante digno do teatro proposto, o corpo falou por si mesmo, inteligentemente, orbitado na compreensão do texto e na inflexão do antagonista do Mestre negado.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Danilo França tem acumulado, ao longo dos anos, um perspicácia e postura concentrada para qualquer personagem que lhe caia às mãos. Como o Anjo Gabriel, não desvirtuou o planejado e ainda marcou como imagem e postura de aproximação entre o divino e o profanado ao tocar o chão. Kelly Lustosa (Cláudia, mãe de Salomé) desenvolveu um perfil elegante, aureolado na maldade fingida e definido na bailarina que sabe o que cabe no leque de aptidão das artes cênicas.
(Franklin instrui elenco/fotos maneco nascimento)
Bid Lima, como a excelente atriz que sempre vingou marca de expressão, já andeja na pele de Maria Madalena com segurança e expressividade contundente. Sempre apresentou recursos comoventes para dramas ampliados e economias de corpo, em contraponto ao enredo dramático.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Franklin Pires, em anos anteriores, imprimiu versões para Lúcifer, Judas e sempre conseguiu atrair a atenção para suas construções da personagem. Nesse ano, resolveu ser o espia do enredo e interagiu na cena, enquanto camuflou a própria personagem de diretor. Assim esteve intrínseco no drama e distanciado para manter a peça com sabor brechtiniano.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Nayara Fabrícia consegue traduzir uma Salomé irrefutável. "Timming" de corpo, voz, intenções e pragmático efeito a nuances que colhem o julgado (Cristo) a ambiente de disfarçatez, malícia, maledicência e maldades dosadas na camuflada efígie da peçonha do Éden. Empolgante, sempre, a cena em que dança para Herodes na intervenção de julgamento de Cristo.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Fábio Novo vem construindo um Herodes de postura política, de mezas intenções a armadilhas e falsa salvação. Dedilha discurso de mãos assépticas, com uma economia disfarçada e performance tímida para o bom ator que, seguramente, existe dentro do deputado, jornalista e amante das cenas.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
O sinédrio, composto por Vitorino Rodrigues (Caifás), João Vasconcelos (Anás), Siro Siris (Aquiba), deu ao conjunto de senhores da lei a legalidade de boa dose de interpretação e composição das personagens ao teatro amador de paixão concentrada no ato profissional. O quarto do sinédrio, Arimateia (Maneco Nascimento) integrou o quarteto da maldade que indispôs Jesus junto ao povo e cunhou o mérito, da história oral posterizada, à morte d'Aquele que ameaçava as regras e comodidade dos negócios da Igreja de Jerusalém.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Os intérpretes dos apóstolos, Zé Karlos de Santis (Judas), Welton Markes (Simão), Antoniel Ribeiro (Pedro), Hércules, Arias, Bruno, Francisco, Edivan Alves, Júnior, entre outros, formaram um ágil e determinado grupo de seguidores do Messias. Se garantiram e encorparam desenho de atores na ilustração de uma eficiente marca de companheiros do Mestre.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Marcel Julian, como o Centurião, manteve com a sempre dignidade de bom ator, uma representação presente do torturador de Cristo. Carlos Anchieta improvisou um João Batista que ficou na média do ator histriônico, reorientado para ação trágica. Bruno Gradim (Pilatos) atomizou a personagem do governador romano e expandiu, com delicada presença, a própria experiência de ser ator.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Gislene Danielle tem sido a Maria, mãe de Jesus, com muito êxito e determinação para interpretar e valorizar elegias e licenças cênicas que assumem + emoção e acuidade na arte e método do prazer de ser atriz. Sua luz de Diva e voz de cantora, ao mérito do clássico contemporâneo, elastecem a cena da Senhora das Dores quando chora a morte do rebento de tragédia anunciada.
(Edith Rosa em pausa do ensaio/fotos maneco nascimento)
Edith Rosa, a nossa atriz premiada e dona de uma envergadura natural de compor personagens, foi de uma dedicação espartana, desde a gravação do áudio, revisão de seu próprio texto e regravação de suas falas para dar + verdade teatral à mulher leprosa que tem cura concedida pelo Cordeiro de Deus. Rosa não desmerece os prêmios conquistados, nos brindou com uma humildade cênica, compensada em nome da fé na cura que se alcança na representação do teatro. Talvez detenha o maior amor que já vi, enquanto se desdobra em seu melhor.
(ensaios da Paixão/fotos maneco nascimento)
Também muito dignos e presentes na encenação, os atores David Santos, Jonathas e Silva Jr. que incrementaram a guarda romana e torturadores do Senhor. Não poderia deixar de marcar, em registro orgulhoso, o Núcleo de Dramaturgia de Bom Jesus, formado pelos atores e atrizes mirins (crianças, adolescentes e jovens) da cidade, que detém uma força de energia limpa e um comprometido interesse em valorizar a própria ação de teatro e a cidade que defendem como sítio cultural.
Justiça sem falta para Márcio Brytho, uma mão na roda quando o assunto é editar, mixar, valorizar sonoridades e insistir em pesquisas às músicas que se instauram nas cenas dramáticas. Um cuidado de prospecção sonora que preenche de profissionalismo e perfeccionismo o resultado conquistado pelo sonoplasta e espetáculo em perfeita sintonia. Vai reeditando áudios de cenas à medida que solicitadas as modificações e traqueja essa experimentação com muito bom humor e dedicação acurada ao que finaliza à dramaturgia. É show!
(Siro e Vitorino tramando o sinédrio/fotos m. nascimento)
A Paixão de Cristo de Bom Jesus cumpriu + uma etapa, fechou um ciclo. Uma década de dedicados esforços, alegria em estar juntos, desejo de sempre retornar e uma felicidade contagiante tanto quando se está aplicando o aprendizado e revelando pedagogia de atuar ao público atento, como quando se dá por encerrado + um ato de convicção cênica.
(elenco da Paixão após apresentação/foto Silva Jr.)
Parabéns a cidade que abriga a inciativa de repercutir a arte da mímesis e do fingimento da história religiosa posterizada. Que venha + uma década. O Teatro agradece.
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