sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Triângulo aberto


 Triângulo aberto
por maneco nascimento

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular (...) Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia(...) Filha do acaso; fruto do cálculo (...) Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo (...) Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo (...)" (Poesia e Poema IN Paz, Octavio. O Arco e a Lira.pag. 15)

Poesia, teatro, música, músicos, intérpretes e público estiveram dividindo o mesmo ambiente preparado para encantar, durante a temporada de estréia, dias 8 e 9 de dezembro de 2012, às 20 horas, no Palácio da Música de Teresina, da montagem de “O Rouxinol e a Rosa”, espetáculo da Puty Teatro Labore, dirigida por Adriano Abreu. 

A Puty, com seu Laboratório de Pesquisa Teatral que busca o desenvolvimento do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, através do estudo sistematizado das artes cênicas, lançou sua pérola aos outros. 

Das falhas: o público, naturalmente, pagou a conta ao comprar um ingresso. Até ai tudo muito certo, também, para a cultura de consumo e sobrevivência da arte. A diferença é que o Grupo, em temporada, estava cobrando preço único, de ingresso, dentro de uma estrutura pública, Casa de cultura do município, em cidade que há uma lei sancionada criando a obrigatoriedade da meia entrada.

Ao inquirir ao bilheteiro sobre a necessidade de seguir-se a Lei municipal para uso de estabelecimentos públicos, ele alegou que fora orientado a cobrar preço único. Disse que pagaria o ingresso, mas faria minha reclamação. Caso haja conivência da direção do Palácio da Música em não praticar a meia entrada, talvez a falha se agrave. Em não havendo anuência da diretoria, algo vai errado. No descanso de observação da Casa que recepciona o artista, este não pode estabelecer preço único sem acordar com a administração, pois incorre no desuso da Lei socioeconômica. Reclamação feita.

Da dramaturgia encenada: o Grupo selecionou dois poetas da lírica moderna universal, Oscar Wilde e Carlos Drummond de Andrade, para costurar o tecido cênico elaborado. A dramaturgia ainda foi aquecida pela ilustração do cancioneiro popular brasileiro, grandes sucessos da MPB, chorados pelos instrumentos dos músicos Caio Leon e Josué Costa e pelas vozes dos atores e atriz.

“’Ela disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse rosas vermelhas’, exclamou o jovem Estudante, ‘mas em todo o meu jardim não há nenhuma rosa vermelha.’ Do seu ninho no alto da azinheira, o Rouxinol o ouviu, e olhou por entre as folhas, e ficou a pensar. ‘Não há nenhuma rosa vermelha em todo o meu jardim!’, exclamou ele, e seus lindos olhos encheram-se de lágrimas (...)” (Wilde, Oscar. O rouxinol e a rosa [The nightingale and the Rose – 1888) 
(Oscar Wilde/foto: www.releitura.com.br)

A montagem realizada pela Puty Teatro Labore mantém um triângulo, para desenlace do trágico amoroso, em encenação que envolve os intérpretes David Santos, Sandra Loiola e Carlos Augusto Aguiar, na difícil arte de convencer no fingimento da cena. Cantam, recitam os poetas, sofrem o enredo e brincam da felicidade de atuar.

Uma flor nasceu na rua!/Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego./Uma flor ainda desbotada/ilude a polícia, rompe o asfalto./Façam completo silêncio, paralisem os negócios/garanto que uma flor nasceu./Sua cor não se percebe./Suas pétalas não se abrem./Seu nome não está nos livros./É feia./Mas é realmente uma flor (...) É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.” (Andrade, Carlos Drummond de. A Flor e a Náusea)

(Acervo CDA/Cosac Naify/Divulgação)

A fábula orcarwildeana ganha beleza e estética, para encanto dos assistentes, nas interpretações do elenco entre tranqüila (David Santos), apaixonada (Sandra Loiola) e afobada (Carlos Augusto Aguiar). A licença poética, do autor irlandês, aliada à envergadura da poesia drummoniana e, pinceladas pela música popular brasileira, transforma a encenação em deleite para ir-se apreciando, com cuidados.

Da dramaturgia dos intérpretes: David Santos desliza tranqüilo e sereno quando fala poesia, narra a história, ou canta seu solo de rouxinol em oralidade colibri. É difícil não envolver-se com sua sinceridade econômica em comunicar e comover sem apelar. Está, seja pássaro, ou flor, a uma peça indispensável no jogo do jardim.

Sandra Loiola inspira beleza, franca vontade e desejo de amadurecer + sua busca honesta de atuar. Seus vôos do rouxinol são impactantes. Sua máscara para o drama e o neutro narrativo se bifurca e soma pontos. A partitura corporal, à releitura em nova dança experimentada, não confunde. Cria uma humanidade inquieta e quente. Humaniza a ave e habilita + a fábula primordial do homem (genérico) no discurso de auto aprendizagem.

(Sandra Loiola/acervo: Puty teatro Labore)

O ator Carlos Augusto Aguiar, o terceiro vértice do triângulo, parece estar + em desnível com os colegas. Por vezes, aproveitando-se do excelente registro vocal e texto muito bem articulado, vocifera poemas e angustia a tranqüilidade natural que povoa a obra de Drummond. Um talvez empolgamento e deslumbre apaixonado, pelo exercício teatral, o tenha transformado em excesso de zelo.

Parece haver uma “zanga” interpretativa que monocordiza a beleza poética presente nos textos tão ricos de lírica poética em moderna oralidade; de reflexão e método de falar fazendo ouvir o outro, ou ouvir-se a si mesmo na identidade de fundir o eu no outro interlocutivo. Há muito ruído na comunicação tonitroante, um fragoroso incomodativo em espaço hermético para licenças de silêncios e economias, não necessariamente desfeitos da palavra.

Do desenho dramatúrgico: Adriano Abreu corrobora para uma bela peça de unir arte poética musical, lírica, instrumental e cênica quando faz o papel de observador de fora. Realiza, enquanto diretor de cena, um teatro para enlevar, prender a atenção e rever memórias da arte de experimentar. Consegue com o elenco um quase redondo ato. Corrigir o vértice, em desvantagem ao conjunto, talvez dê maior ganho da obra laborada.

Da iluminação: uma cortez magia de reforçar a fábula que andeja em exercício sob riscos profissionais. Recorta e amplia o drama premeditado. Do figurino: comunica a dramaturgia, excele pesquisa direcionada à estética apropriada e encanta os olhos na estratégia de segunda pele ao impressionismo da alma buscada das personagens.

Das canções brasileiras: embora não se espere um musical, há um traçado em que as canções se diluem em formação da fina estampa melódica e registram o belo poema do cancioneiro nacional. Sem, talvez, uma preparação + amiudada para cantar, um ou outro intérprete, ao perder a tranqüilidade, semitona, sem comprometer o conjunto da cena. A ousadia de cantar Coração Ateu, de Sueli Costa, uma das + difíceis da MPB, não destoa, mas exige melhor ouvido e oclusão vocal que suavizem as falhas vocais.

O "Rouxinol e a Rosa", da Puty Teatro Labore, um libelo à insistência e coragem de manter sempre-viva a arte e convencer sobre que se labora por essas plagas. Há um canto do rouxinol, plantado nesse jardim, agora só falta deixá-lo + livre dos excessos e da surdez do amador para que se afinem os vértices do triângulo e se emende as pontas soltas.

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