Teatro em licença poética
por maneco nascimento
Na sexta feira, 14, o Bar do Clube dos Diários recebeu, em comemoração ao Dia da Poesia, a 8ª. Edição do Ciclo de Leituras Dramáticas, projeto realizado pelo Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, coordenado por Adriano Abreu.
Na noite, a partir das 20 horas, o Grupo em licença dramática homenageou o dramaturgo maranhense Zen Salles e a obra do autor escolhida foi “Agridoce”.
(arte divulgação/acervo)
A Direção da Leitura dramático poética ficou a cargo da atriz Silmara Silva. Para texto curto, os intérpretes David Santos e Érica Smith compuseram o casal que purga a perda dos filhos, crianças esquecidas dentro do carro, em estacionamento, numa cilada do destino que transforma a falha trágica em prisão de culpa, remorso, loucura e idas e voltas à inaceitabilidade da catarse instalada.
Nas recepções livres, a dramaturgia inspiradora, apresentada, aponta o casal em simbiose da própria repetição da fuga, ou retorno às sombras e sobras das lembranças que o mantém variando sobre a mesma memória dos filhos perdidos. No desenho aplicado por Silmara Silva, ao ilustrativo da cena, a mulher está colada na perna do homem e cada ação deste reitera o deslocamento daquela em homogênea vida simbiótica.
Em roupas íntimas, o homem aciona o enredo dramático, enquanto de pé, e a mulher, no plano baixo, acompanha sentada e atada aos pés do marido a experiência de manipulada. Estão, as personagens, aprisionadas por fita adesiva transparente e só o sentimento de partilha da mesma dor é que as força à mesma carne, vida e gestos xipófagos na inteireza de repetir, como a uma maldição trágica, a aplicação de tortura da memória por força de reverberar a lembrança do ato falho até que, talvez, alguém aceite a tábua de salvação (ameaça das luzes), ou retorne ao sempre quarto escuro, proteção imposta à falta de compreensão da liberdade.
O crime do ciúme e o castigo da perda das crianças enterram vivos, o homem e a mulher que choram e lamentam as crianças mortas, em acusação e defesa do trágico compartilhado. Às avessas, o homicídio culposo, sob a égide do ciúme, quase beira a uma lembrança de Medeia inconsciente, em que a falha trágica a prende, incondicionalmente, à perna do marido. E outro mito quase se estabelece, que seja o da gestação protegida de Baco à própria carne (perna) de seu pai, Zeus, para salvação do filho amado de perigos externos e da força de armadilhas do destino mortal.
“Agridoce”, com o Piauhy Estúdio das Artes, teve leitura eficiente, compreensão cênica clara e ato determinante de intérpretes que inflexionam humanidade falha e defeituosa para os testes de vida que são apresentados pelo autor e visitados pela diretora e atores em cena. David Santos e Érica Smith defendem seu trabalho com concentrada e quente emoção de fingir para efeito de convencimento. Leem com perspicácia e sensibilidade autuada na razão. Sabem ser feliz na cena.
Silmara Silva não despreza seu próprio tempo de atriz e define uma direção que compõe arte em dose decantada à poção mágica do teatro do aprender a aprender. O construtivismo da dialética em pedagogia do amor à cena e ao ato de representar o teatro que se nos representa em competência. O faz muito bem.
No segundo momento da noite, Jean Pessoa, nos brindou com uma bela cena clownesca. Uma cadeira, um tarol e a arte do ator para risos econômicos e trágicos de ironias refinadas. Sua intervenção, entremeios de homem, místico de jeca e gentes simples que nos convence no fazer rir em brincadeiras circenses de memórias afetivas.
Também vendia, na noite, seu outro peixe. A obra infantil publicada “A viagem da mochila”. O livro estava à disposição ao público e enquanto apresentou a obra, apresentou-se em sua melhor performance, a do palhaço que nos faz refletir e bem rir.
(Jean Pessoa e sua obra infantil publicada/divulgação)
No Dia da Poesia, o Bar do Clube dos Diários fez a boa diferença. Manteve cultura, arte, poesia, licenças lúdicas e encontro com o fazer cultural que a Teresina se exige. A JV Produções que Vingam deu seu recado.
E, na esteira de data cultural, o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes compôs mais uma boa Leitura Dramática, com seu olhar para “Agridoce”, de Zen Salles. E Jean Pessoa riu, fazendo rir a quem veio curtir o Dia da Poesia.
Foi um 14 de Março marcado a ferro e calor da licença em poéticas manifestações culturais de que a cidade não pode prescindir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário