segunda-feira, 31 de março de 2014

As vozes de "Anônimos"

A idade da vida
por maneco nascimento

Neste final de semana, 29 e 30 de março, o Projeto Circula Anônimos – Nordeste possibilitou agenda, na cidade, através do Prêmio Funarte de Teatro "Myriam Muniz", na Categoria Pesquisa - Montagem e patrocínio da Petrobrás. A peça “Anônimos” marcou borderô expressivo na história e memória do teatro nacional, de cepa do teatro nordestino, sim senhor.

Teresina recebeu o espetáculo cearense “Anônimos”, realizado pelo Grupo Teatro Novo. A peça aconteceu na Galeria do Clube dos Diários, às 19 horas, e foi uma grata surpresa ao público da cidade.

Com dramaturgia de cena, de Sidney Malveira, o espetáculo remonta enredos e narra vivências de idosos em seu porto solidão. As personagens que ganham vida na história contada reverberam velhinhos que dividem suas experiências de moradores de abrigos com visitantes coptados da plateia.

A interação personagem/público amplia o dialogismo proposto pela dramaturgia. Quebra a quarta parede e, ao tempo em que a interrelação solidifica a reflexão da abordagem cênica, o coadjuvante (público) acaba refletindo, intervencionalmente, o drama dos narradores (protagonistas). A personagem busca o interlocutor na plateia e torna-o seu confessor, ouvinte, ou aquele parente esperado que nunca vem em visita.

A cenografia é de uma simplicidade rica de signos, no detalhe de objetos cotidianos das lembranças e ou composicionais afetivos da construção da cena. Lençóis, varais, pregadores, cavaletes de sustentação (alças pontuais da ponte ao céu cenográfico) e as memórias dependuradas, presas, na corda da vida emblematizada para dias de rememorar, ou esquecer.
 

(Malveira em cena de Anônimos/divulgação)


O palco iluminado doura os cordões da vida, sobre a cabeça e em redor das personagens contadas, cordões estes que recebem adereços da cena e vestem, de cor, velhinhos de perdidas ilusões, que acham, ao recontar seus cotidianos, a ponte de espelho para refletir solidões, silêncios e ruídos, a comunicação de atrair a atenção do sentimento dos narradores com a identidade da plateia que coadjuviza a narrativa e encontra identificação com as falas de memórias sociais.

Espetáculo para teatro da arte do ator (Aderbal Freire Filho) se instala no método do construtor das personagens (Sidney Malveira) que interpreta três idosos, cada um com seu carisma, sua alegria e intenção de nunca perderem-se dos receptores de suas histórias contadas.

Bem humoradas, econômicas, e com perfis intrínsecos de reprodução fiel de alguém tão próximo do eixo familiar de cada pessoa de qualquer plateia, as personagens são tão feitas de humanidade vívida que colhem os espectadores à completa entrega e aceitação da mímesis concentrada.

O ator, numa roupa neutra, vai acrescentando um elemento corporal, e da alma da vida criada, um adereço e econômicos detalhes de andar, rir, olhar, pausas de abocanhar o pensamento e retomar a conversa e o faz com domínio que parece despretensão, mas emana afiada técnica de atuar e convencer, de forma íntegra, na arte do convencimento.

Desenhos de gestos e vozes do corpo, em Malveira, incrementam a riqueza contida, numa implosão materializada de sentimentos quentes e povoam as vivências do ator/personagem para emocionar e refletir a vida como ela é, na representação da vida espiada.

Sidney não só consegue ser muito eficiente, mas espetacularmente defender estética e plástica cênicas, fundidas na riqueza de economia de interpretar e distanciamento crítico na razão do teatro, sem perder nunca a ternura, nem elaborar estratégias de discurso demagógico.

A cada lance das personagens, uma ação de construir a espacialidade que define a casa, expectativas, sala, quarto e vida no teatro das sombras e sobras da solidão em que são encerradas as memórias e dias arbitrados, pela ordem oficial impositiva, aos moradores do abrigo de idosos.

A música, que compõe o espetáculo, enreda uma partitura que amplia a compreensão da dramaturgia proposta e desliza suave em densidade dramática para efetuar redenção e tempo de espera das personagens. A iluminação discreta também reitera toda a plástica da leitura afinada ao efeito dramático.

A metáfora das “vidas” penduradas, dispostas numa caixa cênica que se formaliza, a partir de adereços afixados por pregadores em varais, valoriza a exposição das memórias apresentadas. Essa mesmas memórias encerradas, num labirinto, dedilham falta de escolhas pessoais, ou escolhas feitas por outrem em detrimento dos anseios dos velhinhos carismáticos.

“Anônimos”, nas vozes sociais reproduzidas por Sidney Malveira, tem técnica depurada em dinâmico ato de reinventar o exercício de atuação à tradição e modernidade.

Malveira guarda boas surpresas e detém carisma e talento que o fazem dono da cena e idade do teatro vivo e arte do ator. Contém plástica e estética trabalhadas na composição do simples eficiente, mas especialmente cunha-se a um intérprete criativo, detido na experimentação e experiência da vida, seja das suas próprias, refletidas, ou das alimentadas pela arte do ator.

Expediente:
“O Prêmio Funarte de Teatro "Myriam Muniz", na Categoria Pesquisa – Montagem, com patrocínio da Petrobrás, possibilitou ao diretor Sidney Malveira e Grupo Teatro Novo desenvolverem a pesquisa no Lar dos Idosos “Torres de Melo”, em Fortaleza, e finalizar a busca com a montagem ‘Anônimos’".


A Direção e Atuação, no espetáculo, é de Sidney Malveira, que detém ainda a dramaturgia do texto. A Supervisão de montagem é de Ricardo Guilherme; Assistência de Direção, Design e Vídeo, de Dryca Lima. A Fotografia, de Marcelo Brasileiro; Figurino de Thaís de Campos; Iluminação de Aldo Marcozzi e Cenário, Sonoplastia e Produção do Grupo Teatro Novo.

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