Pérolas aos Poucos
por maneco nascimento
Durante dezesseis anos, um projeto
de ação cultural cênica, criado pelo governo do estado, avança sobre as pedras,
capim, calçamento, área urbanizada e estilística arquitetônica, espaço de
reserva e proteção à memória e história dos Heróis do Jenipapo. O projeto “A
Batalha do Jenipapo”, o espetáculo.
Em Campo Maior, fora do limite
urbano, às margens da BR 343, está plantado o Monumento Heróis do Jenipapo, um
parque de visita, museu e campo santo em que, emblematicamente, se conservou
também a memória tumular das gentes simples (vaqueiros, roceiros, homens de
Campo Maior) que lutaram pela integração nacional e primeiro ato manifestado de
adesão brasileira à causa da Independência do país.
É neste preservado campo de batalha
que + de cinquenta atores de Teresina, uns trinta de campo maior, produtores, equipe
de apoio, “staf” oficial da Fundac, técnicos de som e luz, diretor de cena e dramaturgo se encontram, anualmente, para em 13 de Março, reproduzirem os relatos
memoráveis dos fatos que marcaram o Piauí, no Brasil, em uma das + sangrentas e
heroicas guerras de fogo, coragem e determinação em nome da liberdade.
(cena de A Batalha do Jenipapo/fotos cel. jorge carlo)
Com texto adaptado, de pesquisa
histórica, Aci Campelo detém os direitos de construtor da dramaturgia textual
que chega à cena por mãos de dramaturgos de palco. Por esse espetáculo já
passaram os diretores Arimatan Martins, Siro Siris, Franklin Pires (que optou
em criar seu próprio texto à dramatização) e, novamente, Arimatan Martins.
Durante + de uma década e meia, um elenco empertigado e envolvido em recontar
uma história e revisitar uma memória sócio cultural nacional.
(as gentes e o brasão da liberdade/fotos cel. jorge carlo)
Nesse 2014, de volta à
dramatização do espetáculo, o diretor Arimatan Martins reinventou a variação
sobre o mesmo tema. Três narradores, cavalos da montaria da PMPI (já
tradicionais), heróis dos livros e historicizados dividem cena com o elencão assentado
no solo épico e com um drama epopeico, recheado de energia que contagia o
público a cada ano em que se recupera a mímesis da vida do século XIX, revivificada
nos arroubos do lúdico e fantástico mundo da arte do fingimento, em nosso
contemporâneo.
(épico a heróis, cavalos e gentes simples/fotos cel. jorge carlo)
Os atores de Teresina, em maioria,
profissionais, se preparam a cada ano e repercutem uma mesma emoção,
reinventada ao contexto da hora. Imagine + de cinquenta atores deslocados para
Campo Maior e alojados, por vezes, improvisadamente, em locais pouco salubres.
Muitas vezes, esse elencão foi acomodado na sede da UESPI, do município dos
carnaubais.
Aquele local, enquanto lá ficamos,
nunca esteve apropriado para receber nem estudantes da academia superior, que
dirá atores e atrizes que para ali eram deslocados a recontar, em energia
dramática, a memória campo-maiorense e do Piauí. Batalha vencida, a cada edição,
às salas sujas, cheias de mofo, banheiros coletivos inoperantes e descuido
público que os artistas relevaram em nome da própria arte.
Na versão de 13 de março de 2014,
houve uma mudança de ambiente de recepção do elencão. A sede da secretaria municipal
de campo maior (SEMED) foi local que os artistas tiveram como apoio até a hora
do espetáculo. A infra-estrutura não foi a das melhores, um novo improviso, + asséptico, e como ficou claro, seria o
disponível. Um chuveirão, instalado no quintal, guardou à privacidade os homens
que quiseram tomar um banho, depois do ensaio a céu aberto, de reconhecimento
de palco, pela manhã, no local da apresentação que se daria a dramatização, na
noite.
No quintal da SEMED (Campo
Maior), ao fundo da área administrativa, se viu sob um arvoredo frutífero uma
imagem que não me furtaria de relatar. Uma montanha de carteiras e cadeiras escolares,
expostas ao calor e às precipitações pluviométricas naturais, em chuvas de
verão. Mas o estarrecedor é a quantidade de carteiras e cadeiras escolares ali
amontoadas. Talvez + material e recurso público desprezado, que número de
alunos em sala de aula. Feito o registro.
Quanto ao espetáculo principal da
noite, “A Batalha do Jenipapo”, prevista às 18h30, ficou à espera do final da
entrega das incontáveis Medalhas, “Heróis do Jenipapo” (governo municipal Campo
Maior) e Ordem Estadual do Mérito Renascença e Ordem Estadual Valério Coelho
Rodrigues (Estado), aos celebrados cidadãos da cidade e alhures; dos discursos
monocórdios oficiosos e determinantes do tempo político; de entradas, nostalgia
disfarçada de permanência em cargos eletivos e despedida espetaculosa para
forjar novas estratégias e bandeiras eleitoreiras.
A guarda armada e representativa
do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Piauí é quem + sofre com o cerco
a(r)mado. Das 16 horas, o previsto, ou até antes desse horário, para manter a disciplina
e fidelidade imposta à hierarquia, os militares aguentam o tranco, pois da cota
do “mètier” representar-se ao ofício.
Ao final, a pompa militar, ainda,
se apresenta com toda a sobra de energia, em circunstância, ao público sobrevivente. Armas e
roupas de gala, performance marcial e elegância espartana os redime da
penalidade da espera, em postura “in continenti”. O espetáculo militar mereceu
aplauso sincero do elencão do espetáculo que sempre posteriza essa oficialidade.
O público natural do espetáculo,
do horário da tarde e de expectativa quente de ver “A Batalha do Jenipapo”, foi se
esvaziando, cansado das esperas impostas. Quando, enfim, chegou a hora da
encenação, restavam umas poucas autoridades, que antes lotavam, com os
convidados, os camarotes oficiais. Os celebrizados com a Medalha, talvez,
também cansados, saíram à francesa, levando consigo o peso da própria homenagem
recebida.
(cena final, bandeiras e liberdade/fotos cel. jorge carlo)
Mas o público que resistiu não
perdeu a espera de espectador. Recebeu uma cena poderosa e muito representativa
do que melhor se produz para espetáculo épico e feito a céu aberto, no estado.
Entre o público, alguns
estudantes + ousados e pacientes, pessoas simples e comuns a todos os anos, um grupo de
manifestantes, que em apitaço, marcou ruído de comunicação nas falas do
governador, ao seu discurso de despedida, e uma minoria representativa que guardou o cansaço,
da sabatina oficiosa “indispensável” e manteve um olhar atento e orgulhoso à
cena viva, apresentada pelos heróis da resistência. Ponto para a arte que
revigora a humanidade em todos os tempos.
Muitas escolas, que vieram em
excursão, tiveram que voltar às suas vidas, sem ver o espetáculo. A espera não
superou o momento de retorno das crianças e professores, haja vista o local de
apresentação de “A Batalha do Jenipapo” ser fora dos limites urbanos de Campo Maior.
Professores pediam desculpas por terem que ir, estudantes partiram pesarosos.
Suas expectativas deverão esperar uma próxima oportunidade.
(cena final, bandeiras e liberdade/fotos cel. jorge carlo)
Os artistas deram seu tudo aos
ausentes e aos presentes, como manda o figurino da encenação. Uma Pérola aos Poucos
que rodearam, em arena, a cena exposta. Valeu toda a atenção guardada aos que
conseguiram ficar. Ninguém ali reclamou do espetáculo, se o fizeram foi do
tempo desgastante em que se viram obrigados a cumprir, em oficiosa espera, pela
dramatização.
Para os atores e todos os profissionais
envolvidos, na montagem apresentada, tudo saiu como o planejado. Como diz o
texto de Aci Campelo, “tudo foi executado, conforme o planejado”. Mais orgulho
ficou nos artistas por poderem manter o previsto e apresentado ao público
resistente.
A Pérola aos Poucos repercutiu
muito bem, obrigado. E toda a força e energia foram direcionadas a quem
realmente veio ver a encenação. É para esse público que se vê identificado e em
identidade com a peça encenada, que vai o orgulho e respeito concentrados n’A
Batalha do Jenipapo, ato cumprido, em Campo Maior, no último dia 13 de Março.
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