Vigor na cena de rua
por maneco nascimento
O teatro paraense
desembarcou na cidade verde, entre os dias 9 a 12 de setembro de 2013, para
temporada de Circulação, através do Prêmio Myriam Muniz de Teatro 2012 –
FUNARTE/Minc. Vindo de cidades do Pará, passou por Teresina (9 e 10) e Amarante
(11) e seguiu para São Luís e cidades do interior maranhense.
(La Fábula, em Teresina[PI] - E.C. "Osório Jr."/acervo Madalenas)
Em Teresina, a Companhia
de Teatro Madalenas, de Belém, apresentou “La Fábula” no Espaço Cultural ‘”Osório
Jr.”- Bar do Clube dos Diários/Complexo Cultural Clube dos Diários - Theatro 4 de
Setembro, dia 9, às 19h e, na Praça Aberta do Teatro João Paulo II, dia 10, às
19h. Em Amarante o espetáculo foi visto na escadaria da “Costa e Silva”, dia 11, às 19h, espaço
cultural composicional do sítio arquitetônico preservado na cidade charmosa do
poeta simbolista.
(La Fábula, em Amarante[Pi] - escadaria da Costa e Silva/acervo de Madalenas)
(chegada da Rainha Altiva, em Amarante[PI]/acervo Madalenas)
No enredo, três
súditos têm não só que contar histórias à Rainha devoradora de enredos fabulares,
mas também serem convincentes para aplacar a fúria da personagem
faminta, sob risco de serem eles próprios engolidos por ela. Os contadores
devem, à medida que a trama se desenrola, ser criativos e dinâmicos para manterem
o capricho da Rainha saciado.
“La Fábula”, da
Cia. Madalenas, é divertida, envolvente e recupera a fantasia infantil do
público de qualquer idade, a partir da linguagem do teatro de rua e partitura
do corpo que repercute o bufão contemporâneo e elementos do clownesco em
memórias do teatro medieval da “commèdie del’arte” de eixo primordial.
Maquiagem e máscaras expressivas acompanham as cores de figurinos e adereços (Concepção
de Figurinos e Adereços, de Aníbal Pacha, confeccionados por Mariléa Aguiar)
dão ganho de fantasia e lúdico pragmático ao mágico do fingimento e ato de convencer.
As personagens de
domínio popular se enredam na teia da dramaturgia pensada e os narradores contadores
das histórias se vão enleando nos brinquedos fantásticos do teatro de rua,
ampliado na ágora. Elenco enxuto, mantém cumplicidade cênica que o torna
carismático e sempre presente na dinâmica de destrinchar o drama popular
brincado, com ciência e sensibilidade praticadas na cena.
Dom Quixote, de
Rodrigo Braga, detém atenção e paixão contagiante do público que se identifica
com o ingênuo e desengonçado infantil desenvolvido pelo ator. A corporalidade alegre
e os signos do corpo falante, de Rodrigo, revigoram a personagem de Cervantes
para olhar livre de intérprete criador. Sem descompensar a origem, enquanto
reinventa sua própria maneira de investir o romântico Dom Quixote de La Mancha,
para fantasia de teatro ao infantil, Rodrigo Braga diverte e retém alegria de
compor personagem, tida + popular na prática de teatro de rua.
Dina Mamede, na
pele da Rainha Altiva, também compõe estética de conjunto ao espetáculo. Sua
Rainha, com fome de histórias, “assusta” as crianças que se alimentam do jogo
da cumplicidade que a arte do teatro possibilita a artista e público. Entre a realeza
mimada e a “monstra” devoradora de enredos fabulares, ou a que ameaça engolir crianças
da plateia, consegue um humor entre o escatológico limpo e o dramático para
convencimento de infantes e alhures. Compõe respostas eficazes na máscara e na
língua humorada em ameaçado intuito de devorar o entorno do reino, a plateia. Diverte
e encanta.
Gil Ganesch constrói
um Homem de Lata dominador dos corações infantis, como quer o original da
literatura. Dá uma dimensão significativa, à personagem, por articular alegria
e felicidade dinâmicas, enquanto narra e ou defende o lenhador, sujeito a
magias que o faz perder o caráter humano e transformar-se em homem de lata que
anseia ganhar um coração para alma já bastante generosa. Carisma e domínio de
espacialidade, do intérprete, ampliam a qualidade da narrativa que articula vida
à personagem apaixonante. Evidencia o quadrilátero de elenco maduro.
Leonel Ferreira, o
quarto artista criador em cena, compõe o Velho do Saco para vilanias e
fantasias fingidas com todo sabor de convencer pela palavra cênica que está
desenhada no corpo, na articulação e inflexões definidas de contar histórias e
narrar memórias de personagens da cultura popular oral. Graça e traquejo
artístico encontram estética depurada para definir talento e tônus teatral que
o mantém tranquilo e pertinaz na cena viva do teatro de rua.
O desenho
cartográfico da dramaturgia permite que os intérpretes criadores andejem entre
as personagens e os narradores que costuram a trama, sem perder o fio da meada
que corta os labirintos da contação da história e fantasias brechtinianas,
mapeadas por Ester Sá.
Os adereços e
contrarregras se tornam indispensáveis na condução do enredo. O saco que se
multiplica a signos de sangue, caminho de tijolos amarelos, poço sem fundos da
fantasia, a moça muk, turbante do mágico de OZ, entre outros, é riqueza do
simples emblemático. Mastros, bandeiras ou cavalos a trote real, outra solução
cênica inteligente.
A música, in loco,
com Direção Musical de Armando Mendonça, cria efeitos sonoros preenchedores das
vagas do texto e ação dramáticos. Narradores, realizadores de efeitos sonoros, cavalos
das personagens, montadores e desconstrutores de cenas, os intérpretes se
desdobram, sem atropelos, na mágica contação de “La Fábula”. Dominam a rua, sem
perder o tino da arte do teatro feito para qualquer espaço e se valem do mundo
do “faz de conta” para envolver o público convidado à assistência.
(Público de La Fábula, em Amarante[PI]/acervo Madalenas)
Na equipe do
espetáculo ainda ganham destaque a Produção Executiva de Flávio Furtado e
Tainah Fagundes e a Coordenação Geral de Leonel Ferreira. “La Fábula”, de Belém
do Pará, passou pelo Piauí e demonstrou sua arte, carregada de paixão e devoção
incondicional do elenco em afinado estabelecimento da própria história.
Há, no transcurso
da fantasia defendida, um pequeno desconforto para quem não se deixa envolver
totalmente pela trama. Os vais e vens, da história, acabam em algum momento,
tornando cansativa, sem exaustão, a narrativa. Mas o desempenho do grupo de
intérpretes é tão eficiente que o público dispensa respeito ao quase relaxar da
dramaturgia que se estica em risco de redundante.
(Rodrigo Braga, Gil Ganesch, Leo Ferreira e Dina Mamede/acervo Madalenas)
“La Fábula” se
sustenta pela garra e talento reclamados
pelo elenco paraense. É teatro vivo e reverbera memória nacional.
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