Sertão da boa arte
por maneco nascimento
Roda Ser Tão é projeto de monta
que invade as cidades brasileiras e deixa um gostinho de tanta sorte da arte
itinerante. Sagra estética e cultura transversal em abrigo do novo teatro
brasileiro. Em circulação dos Espetáculos “Flor de Macambira” e “Farsa da Boa
Preguiça”, através do Prêmio FUNARTE Myriam Muniz 2012, o Grupo Ser Tão Teatro,
de João Pessoa, na Paraíba, no intuito de fechar bonito o Nordeste brasileiro, brinda o
Maranhão (São Luis, Pedreiras e Bacabal) e Piauí (Teresina e Amarante) com seu
carroção da felicidade feito cena viva.
Trazendo alegria e cultura
nacional qualificada o Grupo Ser Tão Teatro prova ser teatro até debaixo
d’água, mesmo que ela cuide em demorar-se a vir. De seca e verde há Ser Tão
tirando os nove fora e mantendo gracejos, alegrias e festas populares do rico
imaginário nordestino, garimpados à pena dos autores celebrados. “A Farsa da
Boa Preguiça”, de Ariano Suassuna, leva a elogiosa adaptação dramatúrgica de
Fernando Yamamoto e “Flor de Macambira”, do original “O Coronel de Macambira”,
de Joaquim Cardoso, tem releitura à adaptação das mãos de Rosyane Trotta e Ser
Tão Teatro.
O coletivo de teatro se garante e
a cena brasileira se estabelece bem, graças aos deuses que conspiram em favor
de quem mantém acesa a chama do exercício do fingimento. “A Flor de Macambira,
por exemplo, esteve em muitos festivais nacionais e internacionais, cidades à
beira do Rio São Francisco, na capital federal, dentre outras paradas. A Farsa
da Boa Preguiça, por sua vez, já pode circular pelas praças de sete estados
nordestinos. Mas, faltava juntar todas as tralhas, equipamentos, maquiagens,
cenários (...) e levar as duas peças em repertório do grupo pela estrada afora
(...)” (material de divulgação)
Em Teresina, o Ser Tão Teatro
manifestou sua obra em duas oportunidades e dois espaços de arte e cultura
versejada. Deliberou “A Farsa da Boa Preguiça”, dia 01 de maio, às 20 horas, na
Galeria do Complexo Cultural Clube dos Diários/Theatro 4 de Setembro e, no dia
02 de maio, às 20 horas, foi a vez de “Flor de Macambira”, no palco do 4 de
Setembro. Aos amantes de teatro e curiosos avisados, dizem que uma não deixou a
desejar a outra. Duas obras de prima beleza à expressão do teatro nordestino de
pesquisa e memória popular preservada.
(Cena de Flor de Macambira/fotos: acervo do Grupo)
Não posso falar do que não vi. “A
Farsa da Boa Preguiça”, vou ficar me devendo e se arrependimento matasse,
morreria de véspera. Mas, quando o assunto é “Flor de Macambira”, aí posso
falar, até mal, porque vi mesmo e não há nada que desabone a dramaturgia
apresentada. Um tinir de boa presença e de verve cênica em que só encontrem
defeitos os despeitados de plantão, sem hora de ser feliz. Tudo gira em torno
da sorte de amor tranquilo e paixão equilibrada entre razão e ciência
experimentadas.
A Cenografia e Adereços (Carlos
Alberto Nunes) um luxo indispensável nas variáveis de mímesis terrais, da cor
do Ser Tão de dentro, e expressionismo econômico posto à fura. O cenário, uma
tenda de marionetes para as vezes de artistas que manipulam a assistência que
não quer perder nenhum lance, ou impacto de magia do dentro e fora da tenda. Os
adereços, que se vão somando ao enredo, preenchem o corolário de novidades da
terra, da feira, dos costumes, cores e sabores do nordestinês, para memórias
ibéricas e nordestes reinventados.
A Concepção e Encenação, de
Christina Streva, não perdem por esperar a maturação da trama executada. Tem
magia, lúdico, geografia efientizada na cartografia dos dramas e amores
populares, em franco elogio de técnica que perpassam pela Preparação Corporal (Juliana
Manhães e Valéria Vicente); Coreografia afinada a contexto de estética e
estilismo apropriado (Juliana Manhães); Treinamento de Comicidade (Maíra
Kesten) que catalisa as melhores intenções em equilíbrio premeditado e
Orientação Vocal (Jane Celeste Guberfain) que aglutina as vozes e maneirismos
vocais a efeitos de sonoridades nativas com, ou sem ruídos do imaginário
celebrado.
Não houvesse todo cuidado que
envolve elenco super afinado e desdobrado em eficiência da contação da fábula
amoroso heróica, ainda há as virtuoses particularizadas, em solos, dos
intérpretes criadores em sua partitura de evolução (Cida Costa. Gladson Galego,
Isadora Feitosa, Thardelly Lima, Rafael Guedes, Zé Guilherme, Polly Barros e
Fabiano Formiga). Tradução enxuta ao dialogismo frenético em contensores de
eficácia de interpretação. Nem +, nem menos, uma ode da persona ao coro,
transversalizando tempos e histórias recontadas ao templo da cena.
A Direção Musical de Beto Lemos e
Zé Guilherme e Músicas Instrumentais de Beto Lemos, em perfeito acasalamento
com as Letras, de Beto Lemos e Thardelly Lima, musicadas, fecham o cerco de
sonoridade instrumentalizada para amarras e ilustração do que deveria passear
entre o tangível e intangível do ato criativo experimentado. Preenche as vagas
desejosas de compor o mapa de vozes, tons e sons, intenções e efeitos de
propósitos dramáticos.
As Máscaras dramáticas(modelagem
de Bruno Dante) e o Visagismo (Mona Magalhães) completam o cerco do Ser Tão
Teatro para risos e farsas e fina estampa da malha nordestina de criação
teatral, perseguida às custas do norte das cenas brasis. Não fica fora da
rubrica a Assistência de Direção (Breno Sanches e Thardelly Lima); o desenho de
Luz (Gladson Galego) e a Operação de iluminação (Thiago Santino) em conspiração
ao produto a mercados e futuras apreensões e recepções desejosas.
“Flor de Macambira” um leve e
perspicaz elogio ao ator e sua cena e à arte brasileira de manutenção do teatro
sem gorduras, nem excessos de criador. Na medida da proposição de arte
planejada. A intertextualidade das culturas do nativo popular, em passagem pela
memória primitiva de mitos e lendas e até classicismos reinventados e ou
melopeias contemporaneizadas, aos sinais midiáticos, ganham cor de liberdade e
arbítrio que não perdem nem o deus Ex-machine, nem negam as novas soluções
socioculturais que a nova urbe solfeja.
Do brinquedo fantástico da
mocinha, o boizinho malhado, até a descoberta do próprio veneno que está
contido na natureza escorpiã da espécie, a retomada histriônica de um olhar
para Romeu e Julieta agrestino toma outro caminho mágico e mantém a essência da
humanidade em franca recuperação da própria sorte, na descoberta do próprio eu.
Uma fábula moral em disfarce da alegria que tempera os causos populares de
domínio social na antropologia das sociedades naturais.
Os deuses do Ser Tão Teatro, para
gregários e paraibanos, sim senhor, conspiram pelo universo criativo e
determinante à cena nacional que o Roda Ser Tão se nos apresentou a palcos
piauienses. Uma “inveja branca” quis povoar minha alegria, mas estava ela
preenchida de prazer e afeto sinceros pelo libelo artístico doado,
generosamente, ao público teresinense.
Ponto cruzado, com algodão da
almofada de bilros, alinhavou a trama, desse tecido nordestino chamado Ser Tão
Teatro, em repertório assentado. Não há
tesoura que desalinhave algodão raro.
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