por maneco nascimento
Duas meninas do Brasil em corações democratas, de modernas e contemporâneas arquiteturas das letras [visual verbo] e de cunhada madeira, tingidas e devolvidas, em traços ao papel [visual gravura] para lirismo antropo fágico e outras iscas minimalistas.
E como diria Caetano, "Vamos comer..." e nesse exercício antropofágico são banquete e degustadores Marleide Lins, Yolanda Carvalho e + petiscos que incrementam a ceia posta: Oswald de Andrade[Só a antropofagia nos une/manifesto antropofágico]; Cineas Santos [a arte persiste/e assim, recria/o que já existe (emoção estética); Daniela P. Aragão [(...) Em texturas femininas a poeta mergulha nas entranhas da sensualidade e de um desejo que enuncia, permanentemente, sua sede de infinito (...)] e o diálogo direto e transverso, com Salgado Maranhão [Cavalgo a dor/de ser pétala entre espinhos] X [Protegido é seu destino:/a pele da pétala, poeta,/é relicário de São Espinho] Marleide Lins.
A baixela, da licença poética, traz postas boas iscas e traços de riscos de poesia e lampejos marcados na cuneiforma imagem, reproduzida da poeta à artista plástica e da arte xilogravada da poeta das protuberâncias e vagas na madeira sangrada, a preto no branco do papel, numa completude do efeito poético de duas em três: a poeta, a artista visual e a obra complexa, a simples rastros estéticos de bem servir, em banquete ao leitor e às leituras livres, abertas e repletas de iconográficos, signos, siglas, emblemas tatuados na força expressiva do ato criativo, feito livro a quatro mãos poetas.
Um concha preciosa involucra as imagens, linguagens, peroladas. Uma capa singrada com o anjo, em mãos postas, abençoa/protege a joia, ali rara, contida no oratório poético. Da janela vazada, peixes saltam do aquário ao círculo da terra, em sentido horário, ao eterno retorno de sobrevivência.
À apresentação da poeta, no verso da capa, Marleide Lins é recorte na porta, ogiva, cunhada madeira reproduzida xilos a visual verbo, da folha que cerra, na contra porta, a janela vazada. No interior da capa, o anjo se repete com sol casado com lua minguante ao alto direito e, à esquerda, o mesmo aquário dinâmico inspira vida de peixe, na fuga e retorno do tempo das águas.
A contracapa é de Yolanda Carvalho, na arte e ofício xilogravados, e no recorte da própria imagem (retrato) sobreposta na janela, visual gravura, a detalhes e delicados cortes na madeira, reproduzida em imagem pela tinta impressa no papel, que metadialoga com a forma real, feita poesia ao estético e plástico. No interno da contracapa, o velho anjo circunspecto, tendo ao fundo o pássaro formoso, coroado e com asas recolhidas, na afirmação das asas do anjo abertas.
O prato principal, sanduichado, intercaladas imagens em xilos para a segunda e terceira capas e contracapas das capas secundadas [a mulher e o peixe na cabeça]; [o anjo, de mãos postas, que ri]; [o aquário com peixes dinâmicos entre a prisão e a liberdade de nadar em mais oportunidades]; [o grande peixe que devora os pequenos]; [os círculos sobre círculos dos pássaros e luas minguantes e sóis e luas e machos e fêmeas]. Poesia pura.
Frases simples, gestos poéticos claros, rimas presentes, em tempos e construções modernos, haikais e outras formas precisos, concisos, bem humorados, de amores, dores, solidões, d'almas que esperam e geram expectativas, paixões e efemérides, olhares ancestrais, diálogo com o cosmos, poesia plural.
Dos que alimentam, matam a fome, matam os bichos e matam quem tem sede e fome de viver. Reflexões e estocada na ferida social, [Há um lirismo nos encontros das pessoas e dos rios/E húmus na interrogação invertida (anzol/isca)/A navegar rumo aos que pela boca morrem de fetiche.//Há um lirismo e Ômega três no olho do peixe (...) A iluminar seis bocas famintas dos portuários.//Há um lirismo nos frágeis habitantes de aquários/E nos de Mariana que a lama incorpora e rabisca/ A representar a obra dos homens que finda o peixe (...)] (Lirismo antropofágico, pag. 15); [Morrer pela isca/Destina-se o peixe/Que muito se arrisca] (pag. 71)
Às especulações ao curioso, à fé e ao etéreo [Aos que têm sede e fome:/isca que alimenta a alma é faísca/Quem se arrisca?] (pag. 11); [Lirismo em festa/De dentro do abismo/Se devora a luz da fresta] (pag. 16); [Relativa é a janela:/o mistério está no horizonte/e no que há dentro dela] (pag. 25); [Deseja-se, antes, o etéreo/O que foge aos pés/O que é mistério//Depois, o que se deseja/É o que se beija, ao invés/De amar o que alma almeja] (pag. 37); [Guarda-me, anjo da guarda/teço os mistérios do terço/e creio em escudo e espada] (Sincretismo {Proteção plus}, pag. 69).
De amores, paixões e festa, [Paixão é pólen/Passa a ventania/Escapole] (pag. 19); [O amor é semente/Passa o temporal/Floresce dentro da gente] (pag. 20); [Só inteira: em pedaços/não me queira] (pag. 23); [se penso em você/cabernet/se mal me quer/carmenere/se bem me quiser/beaujolais/(...) e se o amor não reage/assemblage] (O Que Sinto Só Rima Com Vinho Tinto, pag. 29); [A palavra é bala/Quando o apelo é pele/A palavra cala] (pag. 35); [O que te serve?/Ama o denso/E almeja o leve] (Penso, Logo Denso, pag. 39); [E se o amor se manifestar/Erguerei o que não se ergue/Morrerei do que não se morre (...)] (pag. 67)
Do sensual, sexual, cio, gata, segredos e almas gêmeas, [desnudar-se somente em verso/guardam segredos mudos/todas as paredes do meu universo] (pag. 27); [se me clama é siamesa/sendo peixe ou gata/ama de cama e mesa// (...) seja d'água ou felina/eis que me ataca/essa gêmea feminina] (Olho No Peixe Outro Na Gata, pag. 31); [Ao amanhecer/tua voz é manha e maciez/- desejo de tudo//(...) Tua voz é sede e seda/Ao meu ouvido acalma/- faz com que eu ceda] (Tua Voz, pag. 57); [Língua gêmea/onda que se aveluda/invade a fremir a senda//traz o que extrai da gruta/sente o sêmen da concavidade fêmea/e serve-se no convexo da fruta] (pag. 63)
Marcas e encontros e tempos marcados, em terrenos ancestrais, [Toda alma pesa/Arquétipos ancestrais/Toda alma que a outra se apega/Pesa mais] (pag. 45); [Na epiderme de alta alvura:/dormem tatuagens e cicatrizes e n'alma uma rupestre figura] (pag. 55)
Solidões, ais e outros brinquedos poéticos, [se renove/se chove/prove] (pag. 13); [Lirismo do olho sensível:/Chuva é cacho de uva/E vamos sorver o céu!] (pag. 17); [Passam entressafra e cio/lento o tempo se arrasta/e sem resposta, silencio] (pag. 33); [Águas de março/me amanheço molhada/para teu abraço] (pag. 41); [É verão/Ando, andorinha/Na multidão e sozinha] (pag. 46); [Não me viram no verão/vivo auto-ostracismo e solidão// (...) No outono, serei outro, me desfolho/primavero-me nas cores que eu colho] (Estações de Mim, pag. 49)
Das pérolas aos outros et al, [O melhor amante/É pedra preciosa/Sempre está distante] (Diamante, pag. 51); [Dos brutos diamantes: desaprendi a tirar leite de palavras-pedras/de tanto lapidar ego com faca cortante] (Pérolas Os Porcos, pag. 53); [Gira ao sol, eternamente/que brilha seja quem for/e quem te beija a flor, nem sente] (pag. 59); [O começo eu não meço/Não crendo em fim/- recomeço -] (pag. 73).
No interlúdio poético, Marleide Lins e Yolanda Carvalho geram beleza, prazer, em folhear-se, atentamente, "Lirismo antropofágico e outras iscas minimalistas". Cruzam poesia, estéticas que se fundem às tintas das letra e das xilogravuras. Versatilizam linguagens conjugadas e criam o novo olhar das tintas que brotam do laboratório poético e da oficina xilográfrica.
Uma surpresa a cada página. Um poema em verso, uma imagem em poesia. E assim, se vai devorando Marleide Lins e Yolanda Carvalho, a cada passagem de página. Arte e artistas peroladas. Arte e ofício compensados.
Devoram-me. Decifro-as, ou ao menos me enlevo em ver-me revelado, na obra prima, irmã, tia, mãe, filha, dessas meninas do Brasil, que atendem por Marleide Lins e Yolanda Carvalho.
Registre-se: o livro "Lirismo antropofágico e outras iscas minimalistas" será lançado, nesta quinta feira, 21 de abril de 2016, durante a entrega das obras concluídas no Complexo Cultural e aniversário do Theatro 4 de Setembro (primeira data de comemorações de nascimento da Casa de espetáculos).
Local do lançamento do livro? Café Literário "Genu Moraes", às 18 horas.
Agende-se!
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