“zonasub”, zona franca.
por maneco nascimento
“(...) O poeta, em contrapartida,
jamais atenta contra a ambigüidade do vocábulo. No poema a linguagem recupera
sua originalidade primitiva, mutilada pela redução que lhe impõe a prosa e a
fala cotidiana (...) Palavras, sons, cores e outros materiais sofrem uma
transmutação mal ingressam no círculo da poesia (...) Ser ambivalente, a
palavra poética é plenamente o que é – ritmo, cor, significado – e, ainda
assim, é outra coisa: imagem (...) O artista é criador de imagens: poeta (...)
O poema é tempo arquetípico, que se faz presente mal os lábios de alguém
repetem suas frases rítmicas. Essas frases rítmicas são que chamamos de versos
e sua função é recriar o tempo.” (Paz, Octavio. O Arco e a Lira; trad. Olga
Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 368 p. [Coleção Logos])
O articulista mexicano ao tratar
de Poesia e Poema (pgs. 25, 26 e 27) e d’ O Ritmo (pgs. 77 e 78) traduz,
nos textos acima, e dispõe ao leitor em
que meandros se geram a poesia e as falas do poema. De como seria reinventado o
tempo que traduz o poeta, sua obra criadora e criativa e que faz com que poesia
e poema, forjas dadas, reflitam o homem e seu tempo na reinvenção do paradigma
poético. A palavra do poeta, imagens. O criador de imagens, o poeta.
Rodrigo M. Leite, jovem poeta
local, na louçã criativa de frases de poéticas urbanas, vem curtindo seu couro
de bode e delineando peças manufaturadas que amaciam a aridez da urbe de ricos
chiqueiros de bichos fechados em seu ruminar, ou que desfilam em pastagens
cinzas, dos dias contados, no calor da cidade verde.
Na apresentação de sua nova
publicação “zonasub” abre identidade de memória e história quer às cidades
visíveis, ou também as invisíveis e reflete outro(a) artista “‘...não se está
nunca diante da cidade, mas quase sempre dentro dela.’” E completa, o
raciocínio, “‘mesmo numa cidade perdida nos confins da história ou da geografia
há pelo menos uma calçada ou praça que é de todos e não é de ninguém.’” Textos
atribuídos a Raquel Rolnik.
M. Leite brinda o leitor a
refletir-se na própria urbe e estar sempre dentro dela em pertencimento e
identidade dos dias, horas, o tempo e o evento das histórias e geografias que,
sendo de todos, não é de ninguém. “...cidade, te/quero qualquer coisa de
minha/relâmpagos saraivados de sabores/terra entre dedos domingueiros/abraços
d’avó querida (...)/quero alarido ronco uma dose ausente/um dia nublado,
saudade/o gemido da gente”. (cidade, te. pg. 5)
Memórias de história da
construção da cidade em trocadilho inteligente a relâmpagos e dedos
intertextuais a Saraiva e Domingos Mafrense, sem perder as próprias memórias
afetivas e poéticas. E à crônica urbana, “durante o dia feéricas ondas de calor
com areia/misturadas ao óleo diesel borracha ferrugem e saudade/envelhecem
acontecimentos presentes/torrão chapada do corisco (...)/à noite, junto de
gestos precários/homens sem sombra, partes da clandestina escuridão
(...)/adiante, zona sul, esquina da Mapil/garotas de esqueléticas formas,
comedoras de brasa/cuspidoras de fogo!/atiçam corações feridos de aço e
sucata,/esmagados pelo esquecimento”. (a tabuleta é um bairro pesado. pg. 7)
“que os homens andem
vagarosamente/passos lentos corredor/que os móveis estejam empoeirados/telhas
quebradas goteiras (...)/que eu caminhe contigo,/aceite tua bebida! (...)/se
estive pensando no rio/nos banhos não dados todo esse tempo? (...)/a sombra
ainda me agrada os membros/relaxos, contornos” (posso te dizer uma coisa? – ao
descobridor Arnaldo Albuquerque. pg. 8)
O olhar do poeta radiografa
temas, aparentemente, fugazes. Estão na esteira de inteireza cotidiana, “da
tarde que segue nervosa os homens surgem suados/carregados de preocupações,
destinos a esmo/- me vê uma Antártica gelada (...)/a urbe urge roncos
trôpegos/a tarde é consumida dentro de um café” (Café Art Bar. pg. 9), ou
também “ao meio dia:/temíveis ondas de calor!/algumas nuvens ainda tornam a
cidade nublada/claro-escura/óculos escuros (...)/ ao meio dia/anúncios
comerciais em bicicletas falantes:/fogo! fogo! fogo! (delírio ao meio-dia. pg.
10).
Estes últimos versos poderiam
abrir alusão contextual aos incêndios criminosos da cidade de palha, década de
1940, e, no link histórico, lembrar da metáfora popular, feita licença poética.
Não podendo mais dizer fogo! fogo! fogo!, se adotou chuva! chuva! chuva!, para
driblar a desproteção gerada pelos horrores violentos da polícia proibitiva de
Leônidas Melo.
E, quando reluz ambigüidade, o
poeta faz-se toda prova de medidas palavras, protegidas pelas imagens e outras
intenções, “te/escrevo/poema duro/feito água/[não em dose]/substância presa/num
copo de (...)/água/água solta/sanitária!/cáustica!/desinfetante!/água/água
doida/oxigenada!/ardente!/alucinante!/naquela noite – incêndios pela casa
enquanto todos dormiam/procurei escórias, ruídos, suspiros/insone/restaurei
gemidos/sangrados,/sussurros/na ponta da língua, bico do seio/na flecha[na
lança}/defuntas metáforas despertaram insalubres (...)/te/escrevo/poema duro
feito água/água” (poemaduro. pgs. 12, 13)
Ainda sensual e narrativo humorado,
“combinamos/aquele Hollywood: o último/você pediu pra fumar primeiro/acendi o
cigarro na sua boca, fogo!/- bem, não quero morrer igual aquele cowboy
(...)/ainda não morremos tuf tuf tuf/nem
deixamos de fumar – mas aquele/foi o último cigarro que queimamos juntos”
(Hotel São Francisco – em frente a rodoviária. pg. 16)
De volta aos velhos temas [tão
banais], “vigas inacabadas miram o céu,/refletores desligados do estádio./na
quase solidão do cimento esverdeado/vermelhas Monark’s velozes/inauguram cicatrizes,
rachaduras no chão/na boca o gosto de limão/ - tradição desde 1957/ardor
azedalaranjado/de um por-do-sol metálico/sísmicos abalos no meu peito/anoiteço
ferrugem beira de calçada” (o entardecer baldio no terreno entre o Estádio
Lindolfo Monteiro e o Verdão. pg. 17)
De volta à Chapa referenciada, “a banda tocou
outro jazz/meu peito elétrico/sonhei contigo/noite inteira/Teresina, New York: Praça
da Bandeira” (conversávamos na chapada iluminada. pg. 19) e, novamente, à variação sobre o mesmo tema, o sensual
“noite aflora faunadentro/silêncio no afago de pernas/embaixo das mesas” (Ed.
Silvestre Saraiva de Siqueira, Bar Canto Alegre. pg. 20), ou “(...) entre
velhos discos novos amores/está o centro daquelas vidas naquele momento/alta
noite vai quente/o sexo de todos entre as pernas,/também” (Clube do Vinil,
2010. pg. 21)
E da expectativa (in)compensada, da presa
vigiada ao testemunho da solidão não desejada, noites adentro guardam “contos”/”cantos”
beirando fábula, sonhos e ou retrato sem Dorian, nem éden, “colírio meus olhos
abertos/vermelhos teus pés descalços/cachorras palavras desertas (...)/rabisco
teu nome parede/cerveja meu verso alado/faísca menina com sede/arisco retrato
gelado (...)/alísio geral insone/teu corpo latido com rima/faísca menina com
fome/--------/desisto do rastro caminho/termino o poema/sozinho” (colírio meus
olhos abertos. pg. 22)
O risco das palavras, arisco corajoso não
cala, fala, estala sensações e imagens decantadas na verve dos subúrbios,
periferias e urbanos versos poéticos. Assim se me deparo na recepção de zona
franca de rodrigomleite. zonasub. teresina: editora paissandu, 2012. 23 páginas
de licença convertida em poeta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário