domingo, 17 de janeiro de 2016

Contos da cidade enterrada

Corpo caído, corpo recolhido
por maneco nascimento

Da madrugada agitada ao dia seguinte, o velhinho amanheceu morto. Quando o parente foi dar uma olhada no pai, encontrou-o serenamente descansado. Frio, em passagem concluída de última viagem.
O homem gordo se agitou. Andou pra lá e pra cá. Resmungou palavras exasperadas, chamou a mulher. Confirmada a morte do velhinho, chamaram o serviço de recolha de mortos. 

O rabecão chegou e, nesse momento, alguns vizinhos mais de perto já registravam o momento. Os operários do serviço público do IML trataram logo de dar encaminhamento ao defunto. Na hora de recolher o morto, o filho chegou com as mãos vestidas em sacos plásticos. Um enfermeiro, da vizinhança do lado, se adiantou e ajudou os homens a resgatarem o corpo da rede em que o senhorzinho havia morrido.

Estava tranqüilo, rosto sereno. Fora colocado no caixão, sem tampa, preto (popular padiola do necrotério),  e levado aos tramites forenses legais do serviço de investigação causa mostis. Fora a agitação do parente, que parecia realizar uma dancinha de vai e volta e mover os braços, assincrônicos, e a repetir que encontrara o pai morto, de manhã, lá pelas nove horas, mais ninguém parecia prestar muita atenção ao assunto, já monocórdio do filho em insistência atoleimada. Ninguém queria estender conversa. Os burburinhos de curiosos e mexeriqueiros já corriam mesmo no paralelo.


Coda - Recolhido o corpo do morto, seguiu rumo. Aos poucos, os que acorreram ao acontecimento, começaram a deixar a casa do defunto. A novidade já perdera a novidade. Os mais afoitos do disse-me-disse ainda tentavam tirar, ou criar espécie, mas já estava claro. O velho morrera, aparentemente, de morte natural. Era caso encerrado.

(corpo caído, corpo recolhido. m. nascimento/17.01. 2016 às 15h11)

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