A lição de cor
por maneco nascimento
O homem recebera uma visita. Uma amiga dos tempos da
universidade. A conversa corria livre, natural, brincada. A amiga lembrou-se de
uma professora comum, das aulas de teoria literária. E, por cargas d’águas que
tinham que correr naquela tarde, insistia que a professora era apaixonada pelo
rapaz.
Ele se defendia, dizendo que não era nada daquilo. Tinham-se
tornado bons amigos. Havia muito em comum, entre eles, e a professora gostava sim,
dele. Fora bom aluno, se destacava em suas aulas, gostava dele como bom amigo
que se tornaram. Mas era só uma grande amizade. A amiga insistia, insinuava e
não se chegou a lugar comum.
A amiga foi embora e o homem voltou aos seus alfazeres
planejados àquela tarde. Quando começou a escrever. Atualizava seu blog. Ouviu
do outro lado do muro, na área do jardim do vizinho, algo que o obrigou a
deter-se na chamada.
O vizinho repetia, como a compor a melodia de nota só.
Enfática e direcionada.
- Viado! Viado! Viado! Viado!...
Repetira, pelo menos, uma dez vezes a atacar, em sua varia
de pequena maldade. Na sequência, a velha mulher dele, mais a inquilina,
moradora do quintal do casal de idosos, começaram com a lição de alfabetização
infantil. A velha dizia.
- Viado. – No que a criança repetia, em esforço natural de
aprendiz das primeiras falas. Lutava para conseguir reproduzir palavra tão
difícil, lançada a seu vocabulário imberbe de novas descobertas da linguagem. A
mãe da criança, com o bebê no colo, repetia a lição à aprendiz de feiticeira.
- Viado. – A menina de apenas um ano de idade repetia o
esforço. Saía algo entre língua embolada, murmúrio sonoro que aproximava da
informação solicitada à repetição de lição escolar. As mulheres riam. Era
divertido o esforço da criança e o som regurgitado, que tanto as fazia felizes,
por ouvirem a alfabetização em bom andamento.
E voltava tudo de novo, como a sabatina do beabá, sem os
castigos direcionados à aluna que saia-se bem ao primeiro dia de aprender uma
palavra nova. – Viado! – dizia a velha. – Viado! – repetia a inquilina. E a
criança reproduzia, na sua astúcia de pequena compreensão do que era tão
divertido às duas mulheres. Ria, num sorriso infantil, acompanhando a
felicidade das adultas.
Até que cansaram de rir. Era hora do recreio. A menina foi
deixada para correr o jardim da casa, enquanto as mulheres ainda riam e repetiam
uns “uis!”, “ais!” e gracejavam, em orgulho da tarde tão proveitosa de lição
escolástica. Também se podia ouvir os sussurros da velha a acentuar.
– Viado safado!
Coda – A menininha não esqueceu o aprendizado. Sempre que o
vizinho voltava do trabalho, ou quando ela notava a presença do homem, repetia
outra lição apreendida. “Aiaiai!” Podia parecer uma expressão de dor, ou uma singela
manifestação da pouca idade de ingênua aptidão. Era a infância manifestada à
força da memória de papagaio.
(a lição de cor. maneco nascimento. 17.01.2016 às 19h51)
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