"O Diário de Genet", da Bahia, para gregos e outros mediterrâneos
"O Diário de Genet", espetáculo da ATeliê VoadOR Companhia de Teatro, de Salvador (Ba) acontece nesse sábado, 23 de agosto, às 20 horas, na Galeria do Clube dos Diários, com Entrada Franca. Os ingressos limitados devem ser retirados uma hora antes.
(Um Genet baiano/fotos Maira Lins)
Espetáculo, com classificação para 16 anos, realiza Circulação Nordeste 2014 para o FUNARTE Prêmio Myriam Muniz de Teatro, conquistado pelo ATeliê voadOR, e repercute uma imersão no universo do poeta ladrão e reverbera dramaturgia de identidade do pensamento político do autor francês Jean Genet.
(estética e dialéticas baianas imergidas em Genet/fotos Maira Lins)
A encenação performativa, nesse diário, escrito a partir de um texto não linear, construído por Djalma Thürler, apresenta o mundo marginal, inconstante, perigoso, vagabundo e sedutor do filho de uma prostituta, que viveu a juventude em reformatórios e prisões.
Para o dramaturgo e diretor do espetáculo, Thürler, a montagem realiza um mergulho na obra de Genet em avanço da compreensão da ideia do cárcere “nessa peça abandonamos as grades e focamos nos aprisionamentos culturais, demos as mãos às teorias de Foucault e fizemos a mais política das três peças”, diz o diretor, que tem mantido uma dedicação em discutir temas ligados a subalternidade.
(fotos Maira Lins)
O elenco de "O Diário de Genet" é composto por Duda Woyda (Ator 1) e Rafael Medrado (Ator 2). Texto e Direção, Djalma Thürler; Direção de Arte, José Dias; Iluminação, Pedro Dutra Benevides; Direção Musical e Trilha Sonora, Roberta Dantas; Operação de Som/Luz, Marcus Lobo; Contrarregra/Sonoplasta, Talis Castro e Design Visual,Clarissa Ribeiro.
Sobre o autor objeto da dramaturgia baiana apresentada, Jean Genet nasceu em paris, a 19 de dezembro de 1910 e morreu em 15 de abril de 1986. Genet caracterizou-se como proeminente e controverso escritor, poeta e dramaturgo.
Filho de uma prostituta, de pai desconhecido, foi adotado por um casal de Morvan, na Borgonha. Naquele tempo era comum enviar, às regiões rurais, as crianças abandonadas da capital. Abandonou a família adotiva, quando julgou-se dono do próprio nariz e passou a juventude em reformatórios e prisões onde afirmou sua homossexualidade. Aos dezoito anos ingressou na Legião Estrangeira Francesa e foi oficialmente afastado, com desonra, por ter sido flagrado praticando sexo com outro homem. Criou uma mitologia marcada por escândalos, roubos e rixas, enquanto construía romances e peças consagradas com O Balcão, Os Negros e Os Biombos. Conquistou a nata da intelectualidade europeia e colecionou uma sucessão de amantes que lhe fizeram companhia pelo baixo mundo da Paris. Tentou se matar, depois do suicídio de um de seus amantes e do amigo e tradutor Bernard Frechtman. Os anos de 1960 foram de colher os louros do sucessos de romances, peças e roteiros de cinema. Quando chegaram os anos de 1970, dedicou-se à causa dos palestinos e envolveu-se com líderes de movimentos culturais norte americanos, Panteras Negras e Beatniks. As suas memórias publicou no ótimo livro "Diário de um Ladrão". Nessa obra, narra as aventuras e andanças pela Europa em que suas paixões e sentimentos vividos de forma muito intensa definem uma radiografia do homem Genet, seu mundo, submundo e uma riqueza de realidade de chocar a puristas e encantar a todo o resto do mundo que reconhece o gênio que sempre foi Jean Genet. Entre seus amigos estão os filósofos Jacques Derrida e Michel Foucault, os escritores Juan Goytisolo e Alberto Moravia, os compositores Igor Stravinski e Pierre Boulez, o diretor de teatro Roger Blin, os pintores Leonor Fini e Christian Bérad e também os líderes políticos Georges Pompidou e Francois Miterrand.
["Quanto à pederastia, não sei coisa alguma a respeito dela. O que as pessoas sabem? As pessoas sabem por que um homem escolhe tal e tal posição para fazer amor? A pederastia foi imposta a mim como a cor de meus olhos, o número de meus pés. Mesmo quando ainda era um garoto eu tinha a consciência de sentir atração por outros garotos, famais conheci uma atração por mulheres. Somente depois de me tornar consciente dessa atração eu 'decidi', 'escolhi' livremente minha pederastia, no sentido sartriano da palavra. Em outras palavras, e mais simplesmente, eu tinha de me acomodar a ela, mesmo sabendo que era condenada pela sociedade."] (Página 441 a 444. Nota: entrevista com Madeleine Gobeil em 1964, publicada em O inimigo declarado: textos e entrevistas.)
[Meu caro Sartre,
Nós não tivemos tempo de falar. Quanto à pederastia, eis uma teoria que lhe proponho. Ainda é precária. Diga o que acha.
Devemos falar a princípio não sobre o instinto sexual, e sim sobre uma lei que está ligada à continuação da vida.
Começando com esta lei, um instinto nos dirige obscuramente, a partir da infância, em direção à mulher. O erotismo é difuso, dirigido para nós mesmos, depois para qualquer criatura viva (ou quase) e depois, lentamente, torna-se diferenciado e nos dirige para as mulheres.
Perto da puberdade, o desejo sexual, contido pelo instinto, fixa-se difinitivamente na mulher. Liga-se a características femininas. Abandona, rejeita características masculinas. Percebe-as como sinais de esterilidade. Assim que esse momento chega ou está para chegar, a psique propõe uma série de temas simbólicos. Essas teorias serão temas de vida, isto é, de ações .E apenas ações sociais. A escolha definitiva da mulher implica não apenas uma concordância social, mas também é a partir desta lei que se estabelece uma ordem social. A psique propõe ao homem os atos que ele deve desempenhar e... o homem é ativo.
Mas a partir da infância um trauma lança a alma em confusão. Acho que isso acontece assim: depois de um determinado choque, eu me recuso a viver. Mas, incapaz de pensar sobre minha morte em termos claros, racionais, olho para ela simbolicamente, recusando-me a dar continuidade ao mundo. Então o instinto me leva em direção ao meu próprio sexo. Meu prazer será interminável. Eu não incorporarei o princípio de continuidade (...) Esses temas funerais também precisam ser ativos, realizados, caso contrário haverá uma explosão de loucura! Assim os temas simbólicos da morte propostos serão muito estreitos (a limitação extraordinária do universo da pederastia) (suicídio, assassinato, roubo, todos atos anti-sociais, capazes de me dar uma morte que, se não é real, é ao menos simbólica ou social - a prisão) {...}] (Nota: Carta não datada de Jean Genet a Jean-Paul Sartre, provavelmente escrita por volta de 1952, arquivos do IMEC)
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