Amor de convencimento
por maneco nascimento
Como se repetia, pelo senso comum, no ditado popular, era “convencida
pelo homem”. Conhecera-o numa ida à quitanda comprar víveres para preparar o
almoço dos patrões. Ele um mulato sarará metido a galante. De pouca instrução,
mas de esperteza brasileira para não botar defeito, quiçá em anti-heróis da
literatura nacional, ou dos contos e causos populares. Ela, uma mestiçada de
pele parda e cabelos acompanhando a cor da maioria das gentes da terra achada
por Cabral.
O homem percebeu que a caipira se interessara por ele e
jogou todas as fichas. Falou mais alto, gesticulou muito, puxou assunto com o
dono da venda com mais ênfase de persuasão da sabedoria que usaria com ação
para fisgar aquela moça. Ela não mais conseguiu disfarçar o interesse. Parecia
fisgada feito peixe, ansiosa por morder uma isca. Foi um dia de barganha do galanteador,
mas segurou a onda para não parecer tão fácil, de primeira.
As cenas de encontro na quitandinha foram se afinando e,
quando pensou que não, já estava sendo cantada para ir a uma quermesse, no
parquinho de diversões que havia se instalado nos festejos da igreja do bairro.
A abordagem dos encontros, após o turno de trabalho da
empregada doméstica, evoluiu para novas saídas do casal e ousadias de fórum
mais íntimo. Marinheira de primeira viagem na toca do lobo bobo, logo caiu na
(des)graça da gravidez. Foi tudo assim, engravidou, teve que casar com o “bon
vivant”, laçado pelo destino que julgava ser condutor.
A moça, interiorana, que viera para a cidade para sair das
brenhas de seu Maranhão, acabara sendo acolhida na casa de um casal, como se
fosse da família. De adolescente até a idade já avançada, quando teve seu
primeiro romance de amor, somara vinte e sete anos de consentida convivência na
casa dos bons patrões. Cuidara dos filhos casa, como se seus. Era de confiança,
sabia de tudo dali e tinha liberdade de trânsito entre os familiares dos
patrões e tempo de vivência saudável, como se fosse de casa. Mas estava grávida
do namorado.
Os patrões resolveram a questão. Arrumaram os últimos anos dela
na casa, com direitos trabalhistas de doméstica. Deram suas contas direitinho,
na justiça para alguém que fora da família, e a liberaram para ir viver a vida
de casada. Juntou os “panos de bunda”, mais uma vez na recorrência do ditado
popular, e foi viver a vida corriqueira de recém casada com príncipe de seus
sonhos.
Nos primeiros meses de gravidez até que andou fazendo uns
bicos, mas estava grávida. Não achou novos patrões. O marido era
motorista/entregador de correspondência numa firma de advocacia. Ganhava
razoável, para um solteiro, e agora tinha que dividir a casa de aluguel com a
mulher que caíra na malha de seus sonhos.
O galanteador manteve a vida de antes. Da sexta feira,
quando voltava para casa, já chegava muito feliz, falando alto. Chegava, fazia
as vezes de práxis doméstica e seguia para dar umas voltas. Chegava mais feliz,
normalmente bebia. O rojão entrava pelo sábado e domingo. As primeiras
tentativas da mulher, de conter a felicidade do marido, acabavam em discussões
silenciosas e alguns baques surdos no escuro da casa e choros engolidos.
O marido
era assim mesmo, pensava a mulher enquanto degustava pequenas doses de
amargura. Em casa, nos finais de semana, enquanto ele ia encontrar os amigos,
em rodas de cervejas e conversas jogadas fora, ela lastimava-se:
- Diabo, viado sem vergonha! Devia estar aqui, me ajudando
em casa.
Era o homem da casa e mantinha tudo, então tinha que
desafogar. A barriga da mulher crescia e ela a repetir a cantilena, em voz
súplice de socorro, à espera de um milagre de mudança.
- Vagabundo, deve estar bebendo com aquelas raparigas. Viado
safado!
Era uma súplica de esquizofrenia (in)confidente, ganhando
força e desejando, no apelo de borralheira, uma tábua de salvação. Ganhou os
nove meses e ao fim uma menina. As coisas iriam mudar, agora tinham uma filha.
Uma menina!
O homem era doido pela filhinha que já lhe sorria na
inocência dos primeiros meses. Virou um pai presente, enquanto não podia fugir
para suas necessidades e liberdade com as amizades lá fora. Agora a mulher
tinha uma casa, um bebê e umas minhocas maiores criadas no jardim da solidão de
mulher casada, dona de casa, mãe e convencida por seu homem.
- Viado sem vergonha. Devia pelo menos estar aqui pra cuidar
da menina. Deve ta se divertindo com... viado safado!
Coda – os domingos eram os mesmos e se repetiam a cada
semana para bons trezentos e sessenta e cinco dias do ano. Era uma mulher
casada, tinha sua casa, marido, uma filhinha. E um homem que sempre chegava
mais eufórico, quando voltava das saidinhas do final de semana. Sempre havia
uma palavra de carinho a sua querida filha. O bebê já se desmanchava pelo pai.
A mulher tinha um bom pai para a menina. Que mais iria querer.
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