por maneco nascimento
A Truá Cia. de Espetáculos, em parceria com o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, lançou nova pérola aos outros, na noite do dia 08 de março, às 19 horas, no Teatro do Boi (Mataddouro).
Espetáculo Solo, defendido por Vitorino Rodrigues, com direção de Silmara Silva, deixou à curiosidade pública da cidade uma nova peça à expiação de amantes de teatro, negadores da cena local, vestidos de "inveja branca", os dissimuladores de sentimentos de "Branca de Neve!" e os que não foram, não viram e não gostaram.
Vitorino Rodrigues, com sua personagem, nascida da literatura poético dramática da própria prancheta e à cartografia dramatúrgica de cena, de Silmara Silva, apresenta para a recepção o diário de uma Mulher descasada, que regurgita os atos falhos, desatos da experiência de mãe, mulher, dona de casa e esposa preterida.

Numa cenografia do círculo branco das memórias, cartas despidas no chão; um criado mudo e as gavetas iluminadas, de onde retira restos de lembranças; um espelho/cone de burro, saco de esconder a cabeça da avestruz, pendido do teto (móbile às incursões das memórias dramáticas), tudo se estabelece na economia terçã dos pés pisando a mandala.
Nesse mapa de enredos ao drama de vida comum, Ruth bola à cama (chão), nas repetidas ações cotidianas de mulher de casa, cozinha, do lar de Amélias, a embarrar na mesma hora do relógio, num "deja vu" da vida comezinha, até soerguer-se e recontar a história e sair pela porta da frente, ao concluir o vasculhar das gavetas.

O corpo fala de uma mulher; a máscara, salvo alguma rudeza e lembrança de partituras já utilizadas pelo ator, em outras incursões dramáticas, traz uma delicadeza sôfrega, afirmada e dentro do cinturão de fogo da narrativa dramática. A maquiagem, Hugo Leonardo, afia a máscara definida de Ruth/Vitorino.
Ruth é toda mulher na pele do ator e Vitorino é todo homem, vertendo uma mulher e vestido do universo feminino de Ruth, sem cair na cilada da caricatura. É doce, frustrada, ferida, convencida e convincente da alma que apresenta às linhas do diário da mulher abandonada pelo outro e, ainda inconsciente, a princípio, da franca recuperação que se vai operando da personagem ao intérprete e do ator à personagem construída às vias de fruta devez rumo à cor natural de deguste.
Silmara Silva consegue facilitar uma nova veia de correr sangue a Vitorino e, juntos, percorrerem veias e artérias dramáticas bombeando ao coração, rins, pulmões e cérebro cênicos uma verdade possível, um fingimento passível de + acertos e uma persuasão à assistência em exercício da arte do ator, que concorre a convencer, fora dos clichês e dos maneirismos do teatro aparente, de margem, fácil e ligeiro.
O texto vomitado por Ruthclênia, composição dramática criada pelo ator que transforma a mulher, em palpável, é bom, direto, sem meias palavras ou meias verdades. Fala de humanidade e de erros e acertos de ser gente. De reinventar-se a partir do fim do que começou, feito turbilhão das falhas trágicas.
"Depois do Fim", ela descobre que há outros começos, meios e finalidades outras a serem perseguidas. E este recado do autor alcança mulheres, homens, almas humanas que têm sangue, veias, coração de gente comum e vida discutível e reflexional, sem criar pedagogias de auto ajuda, ou redenção milagrosa e fabular. Só vida espiada e expiada porque de gente como a gente.
A segunda pele de Ruth deixa-a à vontade. Figuriniza quem foi pensada na prancheta e ganhou forma visível e próxima da pele original, exposta na construção da personagem que se vê na cena.
A composição de figurino (Hugo Leonardo) equilibra, reflete estética e modos e moda de vestir daquela mulher que ainda está aprendendo a realmente se despir. E segundas, terceiras e quartas peles jogadas fora, sempre levam um pouco da personalidade de quem tem a primeira pele encoberta. A roupa defende Ruth sem ser rococó.

Na noite do dia 08, a operação de luz foi conduzida por Ricardo Sousa, na substituição de Renato. Realizou o melhor que pode, numa noite de improvisar a luz, sem tempo de absorver a criação do colega, mas não fez feio.
A montagem, um desafio de direção para Silmara Silva, que está sempre se testando e que agora investe carreira também no hall de + uma diretora de cena na cidade.
Confirma outras iniciativas anteriores do exercício de direção e cumpriu papel com rigor, conhecimento e compreensão dramáticos ao desenho dramatúrgico, em confessa aliança com a verve de Rodrigues, que apresentou a personagem Ruthclênia, em parto natural e humanizado.
Numa dobradinha eficiente de Silmara e Vitorino, às feitas da Truá de Espetáculos e o Piauhy Estúdio das Artes, há sim, na cidade, um novo espetáculo a ser consumido. Pode ser que alguém se entale, não engula, mas é teatro, tem linguagem de teatro inteligente e mordeu a mosca e cuspiu-a fora sim.
"Depois do Fim" dobra o Cabo de todas as boas esperanças e reservas técnicas de razão e sensibilidade teatrais e cumpre cena. É vívido e as tormentas bravias a enfrentamento, são da natureza de desbravamento, conquistas e de reserva de espaço próprio no ancoradouro do teatro brasileiro de expressão piauiense, como alcunha A. Abreu.
Evoé, "Depois do Fim"!
Vida longa à Ruthclênia!
fotos/imagem: (Geirlys Silva)
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