por maneco nascimento
Aberta, na última sexta feira, 18, a "VII Amostra Aqui Tem Cultura", promovida pelo Grupo Utopia de Teatro (Bairro São João), a noite foi de surpresas , delícias em ato e teatro.
Diversão garantida e um doce deleite da cena local para ir, ver, ri e vencer a resistência de sair de casa para consumir teatro.
Quem foi, não se arrependeu. A primeira noite garantiu público aos outros dias (19, 20 e 21 de julho) prometidos pela temporada de espetáculos gratuitos ofertados à Teresina.
Duas peças foram vistas pela expressiva assistência da noite. No primeiro momento, "Geleia Geral", da VR Produções, com dramaturgia de Vitorino Rodrigues para universo torquatiano. E, no segundo round, "Pau de Arara", montagem do Grupo Teatro Careta, de Caxias (Ma), texto e direção de Jean Pessoa.
Sobre o primeiro espetáculo, uma constatação: Torquato não morreu! Tava lá com sua força da palavra se firmando, nem que fosse a machadadas para manter a dignidade de expressão e estéticas renovadas do mundo para Torquatos e outros vieses entre a mímesis e a poyésis.
Vitorino Rodrigues, ator, autor e diretor de teatro, cortou um cacho de bananas nascido na cabeça da ideia e fez-se teatro para a luz da ribalta. Em "Geleia Geral", assina roteiro de texto (dramaturgia), direção e a transversalização, entre o poeta, a poética e a licença profética, geradas pela nova geração que vai para a geral sem cerimônias.
O enredo dramatúrgico brinca com as novas tecnologias, linguagens geradas no urbano nosso de cada dia e vigora discurso quente de "quem quer um bacalhau ai?", mesmo que não saiba que é de Abelardo Barbosa.
Mas, essa mesma juventude, que essa brisa transversa, sabe que "toda rua tem seu curso, tem seu leito de água clara, por onde passa a memória, lembrando histórias de um tempo, que não acaba..." e é claro que há sempre uma porta de fuga pois "(...) na sua própria ferida não escapa só escapo pela porta da saída..." e "Todo Dia é dia D" e "Geleia Geral", a peça musical, gerou.
(Márcio Felipe Gomes vive o estudante Torquato, homônimo do poeta/acervo VR Produções)
Gerou boa performance, girou a roda da fortuna cênica de cantar, dançar, interpretar e recitar as vozes de Torquato, o Anjo Torto de todas as horas do fim.
A cenografia, um telão ao fundo onde vão e vêm, em filmes, as memórias culturais do Tropicalismo, das idas e voltas ao velho Torquato de sempre e o dialogismo com o cinema marginal, o novo, o experimental, o gracejo e as memórias e histórias de um tempo intransferível presente, desafinado contente.
Ainda como elemento cenográfico, também ao fundo, duas cadeiras, um praticável e, sobre este, um som (microssistem) às vezes de sala de discussões musicais, noutras para improvisar um auditório de programa de chacrinagens.
O +, é de composições de preenchimento de espaço visual, o tempo, corpo, as falas do corpo e os signos e siglas das coreografias imprimidas para ressignificar as falas torquatianas, através da Cia. de Dança Conexão Street.
As seleções de imagens e iconografias tropicalistas que compuseram os filmes (construídos por Giordano Gabriel e Márcio Felipe Gomes) acerca de tempos memoráveis, cumprem diálogos, de passagem entre as cenas inscritas a recontar a história revisitada do poeta, são muito bem significantes.
Edições delicadas e ágeis, prospecção de documentos vivos, na memória, de quem revê a história vivida por seus ídolos. As ficções (Márcio Felipe Gomes) construídas na ampliação da história contada, também ressignificam o novo surgido da conformidade do velho.
As coreografias, de Antoniel Novais, Márcio Felipe Gomes, Beth Bátalli, que permeiam o espetáculo e ou ampliam sinais de resistência às estéticas renovadas, têm energia própria, calor juvenil e impetuoso.
A marca registrada do Conexão Street alia linguagem da dança urbana, de rua, e a alegria contagiante e conceitual vibrante de jovens que falam sua própria língua, através de corpos livres, leves e soltos na reinvenção da tradição interpretada. Enquanto dançam, os intérpretes criadores do CStreet atraem a atenção da assistência para seus compassos de síncopes, breaks e pop arts da dança de corpos falantes em oralidade intransitiva.
O universo adolescente e juvenil, questionador e inquieto das personagens dramáticas, enredadas no roteiro de Vitorino Rodrigues, tem calor da idade e gera inflexões de intérpretes que embebedam-se de ardor e impulsos (in)consequentes e mantêm o drama numa linha tênue, entre o impacto dos musicais atraentes, em contraponto com a récita poética que parece + mais zangada do que prosa poética e anarquia "agressiva" da voz reflexiva e, por vezes, bem humorada do poema de Torquato.
Foge o texto recitado, enquanto impetuosidade de aparente intranquilidade dos intérpretes dos poemas, de Torquato, o autor, que é pura prosa poética, métrica de lírica moderna conversada, anarquinquietude impulsiva e audaz, mas nunca violenta na oralidade.
Prende-se na fala terçã do Torquato (Márcio Felipe Gomes), a personagem do enredo, construída quando oraliza o poeta, num ímpeto agressor e não confortador da morte súbita de quem diz (...) vou vivendo assim: felicidade/Na cidade que eu plantei pra mim/E que não tem mais fim/Não tem mais fim/Não tem mais fim."
A voz do poeta é de ser devoradora a quem decifra ou não, mas nunca feroz, de voracidade irracional, temperada de causa passional e horizontal.
Talvez ouvir + a voz do poeta, ler "Alzira a morta virgem" "O grande industrial", soltar o beijo preso na garganta, manter o coração calmo dentro do peito, embora tenha outros fora dele ardentes, mas que sejam mantidos na tranquilidade de ouvirem-se a si mesmos e baterem variações textuais e emoções a nuances, delicadezas, gritos e silêncios, economias de ouvidos, que reverberem a fala da poesia antropofágica e delirantemente presente em todas as horas de afinar a cena ao melhor fim.
(Raira Monteiro vive Teresa, a estudante de medicina, mas torquatiana total/acervo VR Produções)
O Clip de "Mamãe Coragem" que traz aproximação com as novas tendências musicais, que a juventude canta, é show. Em "Alegria, Alegria" e "Geleia Geral" também há força de novidade e, na transversal do tempo das novas memórias, reinventa o nunca velho. Apresentam dinâmicas audiovisuais em corpo e mente do criativo ousado, quebrando tradições e revendo paradigmas estéticos sem perder o fio de Ariadne. Comunica bem.
(elenco pop: Antoniel Novais, Lyvia Moura, Raira Monteiro, Márcio Felipe Gomes, Kelly Magna, FranciWilliam Lima/acervo VR Produções)
"Marginália II", "Geleia Geral" , "Pra Dizer Adeus" bifurcam-se em "Quando Eu Crescer" e "Trio Trash Dance" e irmanam coreografias e polifonias de sons e fúrias em vozes de corpos, em afinados dissonantes de compensação melódica pop nave louca, "Feijão, verdura, ternura e paz".
E, como quem comunica, nunca se trumbica, há ainda uma boa homenagem ao Velho Guerreiro Abelardo Barbosa. Vitorino Rodrigues (Armando Boaventura) faz as vezes de apresentador de programa de auditório e parafraseia o "Programa do Chacrinha" no similar Se Toque Show.
A homenagem é entendida, o trânsito de "metier" da linha de cultura e entretenimento também gera atenção, seja pelo improviso, pelos jargões e chaves de apelo em sobrevivência da audiência. O ator Vitorino pareceu meio de improviso, talvez apreensivo pois diretor e em cena. Nem tudo à terra de excelência do Chacrinha, tem tudo ao mar da alegria de Rodrigues.
Faltou-lhe vigor que equiparasse, por exemplo, salvadas as proporções, à liberdade e alegria do street dance do Conexão Street. Se é pra lembrar que lembre o barato total, porque ninguém relega Abelardo Barbosa impunemente.
A doce geleia, de Vitorino e Conexão Street, não trunca efeito, é ação e reação à prova de fogo de quem insiste no teatro da sobrevivência e salva a espécie e tá feito. Os figurinos comparecem, cena à cena, e vestem bem a história revelada. A luz, para essa apresentação, sofreu um improviso consequente e funcionou.
Destaque para registro: a falta do apoio logístico, de luz, que fora prometido pela FMC, leia-se Daniel de Aracacy e outros pavões, com penas de plástico, hierárquicos daquele órgão municipal de cultura, que falharam com a promessa encima da hora.
Como artista é criativo, "Geleia Geral" gerou solução, sobreviveu muito bem e a Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves repete-se, + uma vez, pelo exemplo de "menina malvada" que negligencia apoio a artistas locais e fica fazendo mesmo o que, Chico Paulo?
Mas voltando à arte do artista, "Geleia Geral", o musical espetáculo, é toda juventude transversada pelos clips de memória cultural; filmes contextuais eficazes; o cinema superoito e digital; os clips conceituais; o humor presente, mas de tragicomédia a matéria dura; coreografias eficientes e energéticas, de identidade street confortáveis e felizes.
De Gonçalves Dias a Torquato e Vitorino Rodrigues, o desfolho da bandeira é de licença poética com tradução de felicidade artística e estética cênica em relíquias do Brasil e "Tropicália, bananas ao vento (...)".
"Geleia Geral", o musical espetáculo, de Vitorino Rodrigues e Conexão Street, é show de placar. É ver, ouvir, sentir e crer que mantido o nível da cultura, mantido está o nível da sociedade, para nunca esquecer também Mário Faustino que, como Torquato, vive entre nós.
Serviço:
Elenco -
Márcio Felipe Gomes - Torquato
Raira Monteiro - Teresa
Antoniel Novais - Pitoco
Lyvia Moura - Baby
Kelly Magna - Luzia e todas as Mães do enredo
FranciWilliam Lima - Santiago/ Assistente do "Se toque Show"
Vitorino Rodrigues - Armando Boaventura, o apresentador do Se Toque Show
Técnica -
Operação Som/Vídeos - FranFilho Rodrigues
Coreógrafos -
Antoniel Novais (Marginália e Geleia Geral)
Márcio Felipe Gomes (Quando Eu Crescer e Trio Trash Dance)
Beth Bátalli (Solo: Pra Dizer Adeus)
Vídeos -
Giordano Gabriel (Homenagem - a Torquato: Caetano canta Cajuína/a Tropicália: música Alegria Alegria)
Márcio Felipe Gomes (Família de Torquato; Vampiro; Mamãe Coragem; Geleia Geral)
Dramaturgia e Direção-
Vitorino Rodrigues
Preparação Vocal para canto -
Luana Campos
Acompanhamento Instrumental -
Marcel Regis
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