quinta-feira, 14 de julho de 2011

Memórias desprezadas

Memórias desprezadas
por maneco nascimento


“O ritmo frenético das pessoas e as mudanças permanentes na cidade, fruto da cultura capitalista, onde não se pode perder tempo, onde ter sobrepõe-se ao ser, tem proporcionado aos citadinos uma dificuldade de reter os acontecimentos na memória (...) (Pimentel, Lídia. Praça José de Alencar – pedaços da cidade, palco da vida. 1998. Pag. 43)

(Lari Sales e Fernando Freitas, em A Casa de Bernarda Alba. foto: Margareth Leite)

Recentemente, recebi uma reclamação da amiga e atriz Lari Sales, atualmente Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão – SATED –PI. Como qualquer pessoa sensível e adepta da preservação da memória da cidade, Lari incomodou-se de ter ouvido um gerente de assuntos culturais da Fundac desfazer-se da memória do Theatro 4 de Setembro.

Explicando: depois de mais de dois anos fechada, aquela Casa de espetáculos reabriu em 05 de julho de 2011, numa manhã de discursos políticos e prestação de serviços governamentais.

O trânsito nos corredores e ambientes outros poderia ser efeméride, caso não houvesse um flagrante de descuido cultural e petulância ignorante.

No ambiente do Bar daquele Theatro há, desde a restauração sofrida no final da década de 1990, dois painéis contendo registro fotográfico de artistas de música e cênicas que passaram pela cena do 4 de Setembro. Lari Sales teria ouvido da boca de Franklin Pires, sobre a intenção de substituir os painéis de fotos “antigas” por fotos dos novos, os que estariam fazendo teatro hoje.

Ela retrucou dizendo: “E o que você vai fazer com essas pessoas, vai matá-las, enterrá-las? A atriz argumentou que aquelas pessoas, representadas nos painéis, ainda estão vivas e atuando. E sugeriu que, já que ele iria se livrar daqueles painéis, que doasse ao Sindicato dos artistas para preservação na nova sede, em processo de montagem.
                    (elenco de A Casa de Bernarda Alba/Lari a própria Bernarda. foto: Margareth Leite)

São dois painéis que recuperam do tempo, em fotos, protagonistas da música local e nacional, Geraldo Brito, Júlio Medeiros, Ronaldo Bringel, Janete Dias, Grupo Varanda, Grupo Candeia, Ensaio Vocal, Moisés Chaves, Fátima Lima, Rubens Lima, Netinho da Flauta, Orquestra Sinfônica Brasileira, Reginaldo Menezes, Márcio Menezes, Solange Leal, Naeno, entre tantos que marcaram os shows da e na cidade.

Já no de teatro, imagens de Arimatan Martins, Francisco Pelé, “Raimunda Pinto, Sim Senhor!” (Grupo Harém), Lari Sales e Fábio Costa, “Raimunda Jovita na roleta da vida” (Grutepe), “Itararé, a república dos desvalidos (Grutepe), “O Auto do Corisco” (Grupo Raizes), Zé Afonso de Araújo Lima, Santana e Silva, Tarciso Prado, Gomes Campos, Chico Pereira da Silva e toda uma geração anterior a Franklin Pires que marcou território com a natural humildade de limpar veredas para os novos artistas.

                                    (Francisco Pelé/Raimunda Pinto. foto: acervo do TMJPII)
Gaudí, Pound, Drummond, H. Dobal, Mário Faustino, Torquato, Pessoa, Saramago, Borges, Mario Vargas Llosa, Neruda, Garcia Marques, Cervantes, João Cabral de Melo Neto e tantos outros sejam latinos ou de outros ocidentes, só pra ficar na literatura, cantaram suas memórias porque todos contidos em suas próprias histórias. Seu passado, seu presentemente futuro. Memórias desprezadas não combinam com arte.

Ana Maria Rêgo não é homenageada em um festival nacional de teatro por ter sido queridinha de um contexto político. Alguém pode até negar sua história, mas jamais apagar da memória sua existência, nem sua laboral manifestação artística.

Talvez o novo artista precise desviar o foco de observação do narcisismo umbilical. Ninguém ocupa lugar de ninguém. Na arte, como na vida, há espaço para todos e a solidariedade cultural é peça chave de humanização das sociedades.

O que salvaguarda as civilidades do embrutecimento total, ao longo da história da humanidade, tem sido a arte e ela não incita penumbra ao outro, esse é papel social de outra ordem de homem chamado animal, de insensibilidade premeditada.

 



Um comentário:

  1. Maneco, Bastante oportuná sua reflexão sobre a importância de cultivarmos e celebrarmos nossas memórias artísticas, do presente e do passado, pois sem elas ficamos no vácuo, o que é um pé para barbarie.
    abraços: Herbert Medeiros

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