segunda-feira, 18 de junho de 2018

Ébano Rei

nas vezes de Pés Inchados
por maneco nascimento

Junho trouxe à pauta do Theatro 4 de Setembro, dentro do Projeto Terças da Casa, edição Terça Teatro um espetáculo da práxis escolástica institucional de Teatro Universitário. O Grupo de Teatro da UesPi demonstrou sua leitura dramática de clássico, reinventado, no último dia 05 de junho, e teve a sua assistência um público delicado, mas concentrado em ver e sentir o ato dramático para a saga do Príncipe de pés inchados.

Em terra de predomínio da cor negra, dessa cor brasileira que tanto nos faz tão bem, o elenco também ganha esse matiz de etnia brasis e, quando o assunto gira em torno de humanidade e reflexões sobre natureza humana, não há cor, nem berço, há ato, artistas, intérpretes, talentos e uma dose de inteligência que reinventa-se ao sabor de bem ser e estar Teatro.

O Grupo de Teatro da UesPi trouxe, ao palco do Theatro 4 de Setembro, a dramaturgia de cena facilitada por Moisés Chaves, para as vezes de "Pés Inchados". Uma leitura de Teatro Piauís para Obra original clássica "Édipo Rei", de Sófocles. Assim como Moçambique[leia-se FestLuso trouxe a Teresina Piauí Brasil uma versão crioula de Hamlet/Shakespeare], Teresina nos brindou com a égide de obra sofocliana com derme negra, quase 100%.

Já feliz com o que vi. Sem escamoteio, nem de pequenas verdades, ou grandes mentiras às formas, a direção usando de seu dado lançado à sorte usufruiu da cor da terra e fê-la brilhar em texto, originalmente grego, para gregos se troianos, e deu-lhe nossa pele.

Ao nosso ocidente ressignificado, "Pés Inchados" apresenta não só a cor brasileira, mas o sangue pagão reatualizado para ritos, rituais, passagens e práxis dramáticas felizes.


Ao primeiro Édipo Rei piauiense, em caráter profissionalizante, Kaio César, com ascendência civil para dois imperadores, apresenta um Príncipe de Tebas das Sete Portas com uma dignidade de atuação, movimentos econômicos e drama curtido na escola de distanciamento apreendido, que vem renovar  arte na casa dos Vieira.

No pulo do guapo, Kaio engradece a personagem, enquanto César secunda a assinatura de bem assemelhar os monólogos internos e visibilizar efeitos dramáticos de ator em franco método de afinação da profissão. Um Édipo a não perder-se de vista, porque inspirado no Teatro fugidio dos vícios do fácil, em logro de não só gerar espanto e admiração da recepção, como afeição dramática.

A Rainha Jocasta, na voz e atenção de Janá Silva, é uma majestade empertigada, elegante, contextualizada na graça e corpo piauiês e garante a empatia que requer do/a intérprete à atenção da plateia.

Salvo uma ligeira agonia dramática transferida à personagem, na busca de mais gás e sintonia, que desliza na tensão afobada, em desvio da técnica de atriz e método, e envia plural ao advérbio e pronome "onde". Pareceria inadequação pequena, caso não fosse cena e Teatro, que ciência de razão e sensibilidade.

Mais calma e audição direcionada dariam o tempo de todas as palavras, intenções a atrações dramáticas que qualquer interpretação exige. Mas veste uma Mãe-adúltera e incestuosa que dignifica todo o esforço cênico de gerar a falha trágica e catarse prevista pela esfinge.

O príncipe Creonte, irmão da Rainha, atualizado por Cairo Brunno, não nega a corrida do ouro que o ator implementou na busca da profissionalização e rendimento do exercício do exercício. Em Elegbara, de Toni Edson, com direção de Arimateia Bispo/CoTJoc, já demonstrava uma inquieta luz rumo ao romper do túnel.

Em "Pés Inchados" traz seu natural e elegância à cena e uma certa naturalidade que, quando mais afiada na aplicação de economia e contenção, seria para escola dinasfatiana. Fala bem, anda regular na cena e o corpo concentra drama. Não desfia o rolo de Ariadne, desliza o fio à saída do labirinto.

Moisés Chaves não foge da tradição e ruptura e seu Coro é ponte segura ao Corifeu, que transita entre deuses e mortais e enamora-se com a persona em dialogismo equilibrado, concentração e sincronia feito melopeia antecipando incontinenti os passos da tragédia. Uma Voz social equilibra ação dramática e revela cuidado de contar uma das histórias profanas mais visitadas e prender a atenção do público.

Os figurinos ganham os contornos mais figurativos, embora emblemáticos. E, a primeira pele de todo o elenco está melhor representada, pois epiderme do corpo do corpus atuante. Têm, para efeitos de contextualização dramática, aliados aos contrarregras/adereços de composição, uma força que mais nos atrai para o texto, a ação, a aura do drama e o desenredo da trama urdida pela força trágica.

A iluminação sangue contorna toda a efígie dramática e equilibra o desenho cenográfico para gaiolas ensartadas
 às paredes, céus das cabeças das personagens, a lembrar das vidas aprisionadas ao destino irrelutável e cosido pela mora que costura as sobrevivências trágicas clássicas. Sígnicas aos conflitos que geracionam o ápice, as gaiolas talvez insertem um céu de prisões pululando às cabeças das personagens ao inconsciente de fugas do destino.

A música incidental viva e composta à expensa da ação dramática conflui a + energia atomizada. O quinto que elementa atrativos sinestésicos ao enredo do decifra-me ou devoro-te. Por falar em Esfinge, a opção da direção de aplicar na personagem-palavra-chave pompas e circunstâncias ritualísticas, que imergem nas raizes afrodescendentes em transversal com os ritos pagãos originais, dão um "up", já de entrada, na apresentação da detentora do poder de definir quem vive e quem morre.

Há um desfile de intérpretes que incorporam, sem baixar santo, o corpus que sangra o trágico, como a que se destaca do Coro e, Corifeu, dialoga com as personagens principais; o que marca a cena como Tirésias, do Templo de Delfos, e o Criado/pastor que guarda o segredo de condenação da família mergulhada na violência, crime, incesto e castigo derramados na casa Laio-Jocasta-Édipo.

É bonito de ver um texto trágico, de milênios, revitalizado ao discurso e voz de ocidente do lado de cá da linha do equador, com seus meandros de vontade de compor Teatro e contar dramas existenciais, de muito, mas de muito antes de Jean Paul Sartre e, bem depois do macaco perder o excesso de pelo e aprender a linguagem dos talheres à mesa.

O pequeno Homem à estatura e Grande Otelo, alcunha do talento brasileiro da grande Cena, já marcou todas as gerações antes de Ébano Rei da cepa piauís, agora eis que um Nobre desponta e marca a nova cena da cidade, devagarinho, sem a pressa de holofotes.

Ave, Kaio César!

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