por maneco nascimento
O Ciclo de Leituras Dramáticas, projeto do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, realizou no último dia 22 de novembro, às 17 horas, no Laboratório de Artes - Uespi - Campus "Torquato Neto" (Pirajá), a 23a. Edição do Ciclo.
Com texto do poderoso mago das penas expostas, Plínio Marcos, e direção de Silmara Silva, o que se viu foi um exemplar exercício da arte premeditada ao ato conspirador do universo que gera cultura de teatro eficaz.
"A Mancha Roxa", criação do sucessor natural de Nelson Rodrigues, palavras do próprio mestre, teve uma feliz Leitura, a partir de um grupo de seis mulheres/atrizes, quatro convidadas, Deborah Radassi, Gessyvane Rubim, Iarla Ribeiro e Mayra Sousa que, somadas às duas atrizes do Coletivo, Silmara Silva e Érica Anunciação, deram o tom e variáveis do matiz da ação reflexionada no texto de Marcos.
Seis prisioneiras dividem a mesma cela e, à medida que se vai desenrolando a trama, vai-se cosendo o lençol de chita barata e desconstruindo a tessitura do molambo humano, presente no cotidiano de seis mulheres que, aos poucos, vão descobrindo que todas juntas podem ser fortes, mesmo que radicalizem o enfrentamento, pois não fazê-lo seria decretar a total invisibilidade, já que a morte social, já é presente, ou a morte física pode ganhar fôlego.
A partir da mancha surgida em uma das companheiras de cela, começa o início do fim da prisão. Ao descobrirem que uma colega está com a mancha maldita, vão percebendo que a razão da exclusão de uma significa, naturalmente, o afunilamento de todas à desgraça comum, o vírus do HIV que as visitou através da seringa coletiva do pico.
No ambiente em que sobreviver é fator de + um dia a contar a própria história, elas revelam seu lado animal, perverso, excludente e, no salto da fêmea fênix, redescobrem que podem renascer da própria condição de marginais, caso determinem quais serão as regras de sobrevivência e de ditames de protegerem-se, atacando.
Do medo do contágio e constatação da doença hospedeira, em cada uma, definem que deixar-se à sorte do estado seria estarem alijadas da escolha da vida que lhes caiba. Na virada do jogo de dominador e dominadas, tornam-se algozes da revolução do sangue "sujo" a ser passado adiante.
O futuro está lá fora, do outro lado das grades, e deverá abrir flancos a uma nova ordem de nascido(a)s, a partir do contato da que será pioneira em passar adiante a mancha roxa.
Plínio Marcos, em sua sempre audaz e inteligente arte de discutir misérias humanas e cidades invisíveis, reverbera o drama da vida como ela é, nas periferias de gentes comuns, com suas mazelas, falhas trágicas e ciclo de reprodução, quase determinista, da vida real e da realidade que nos cerca a todos, mesmo que a neguemos.
Estocando a própria laceração Marcos reflete o bem e o mal sem julgamentos, nem maniqueísmo panfletário. Ajusta o cerco das ilhas comunicantes que arquipelaguam a sorte de cada um(a) e uma solução que seja a de continuar vivo(a), mesmo que delimitando o que, ou quem sobrevive à sobrevida que aspeie no novo giro da roda da fortuna dos velhos costumes expiados.
"A Mancha Roxa", na leitura facilitada por Silmara Silva, ressalta seis belas mulheres e talentosas a nada dever a ninguém. Débora Radassi, na pele da primeira a ser descoberta com a mancha, constrói uma mulher de frágil e delicado denso mergulhado no trágico de sorte condenada.
Edithe Rosa, a beata do presídio, acaba nas vezes da atriz com um libelo de exaspero e fé cega, que garante à Rosa um bom desempenho, em conformidade com o coletivo coeso que a Leitura propiciou.
Gessyvane Rubim, a carcereira, também não perde a fé na arte que assegura amor ao teatro. Salvo alguma perda da própria inflexão, em meio ao burburinho ruidoso das presidiárias, mas contém força de atriz e está contida na aritmética da prova dos nove.
Iarla Ribeiro, a grande surpresa na narrativa, por ter conseguido me persuadir a tanto que não havia percebido tratar-se dela, até que acabou a Leitura. Ao comentar com ela, de minha grata surpresa, me disse: "então surtiu o efeito". Iarla construiu uma companheira, da infectada, com uma corporificação e falas que nutriam saídas, da pele, feito suor. Muito eficiente.
Mayra Sousa, uma presa afobada, agressivamente decisiva e animal predador que morde e arranca seu naco a sangue frio. Corrompe a própria origem e não nega fogo que lambe a ferida da presa dominada.
Silmara Silva e Érica Anunciação fecham o Ciclo de ótimas atrizes reunidas. As meninas do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes detêm essa força e disciplina de bem apresentarem qualquer personagem que lhes caia às mãos. Sabem aplicar força e impressões construídas no sabor de delicadezas e ciência artísticas.
Filhas, das forjas de Baco, Pan, Apolo e presente trabalhado às mãos de Hefestos e quem + conspire ações que "divinizam" a arte de bem representar, elas reiteram prazer de persuasão e arte do convencimento ao fingimento premeditado.
Cada uma trouxe, ao conjunto das seis mulheres em cena lida, seu perfil de construção da personagem acuada na prisão de seus próprios infortúnios e, Sil e Érica, garantem beleza e retórica de atrizes e método que enriquecem o diálogo tão presente e rico no contraponto das colegas em cena.
Débora, Edithe, Gessyvane, Iarla, Mayra, Silmara e Érica são show de presenças dramáticas e ênfase empoderada de ato cênico às falas sociais reflexionadas, através de Plínio Marcos.
Parabéns ao resultado. Impactante e esteticamente eficiente. Rende a boa arte da cena que por aqui se conspira.
Muito feliz com suas considerações Maneko Nascimento,Você que é para mim referência dentro do cerco teatral piauiense.
ResponderExcluirGratidão meu querido.
não por isso. saudações teatrais.
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