terça-feira, 25 de março de 2014

Memória da Ditadura

Para nunca esquecer
por maneco nascimento

Com a abertura dos porões da Ditadura Militar (forjada no golpe de 1964), se pode agora desvendar segredos, guardados sob  força e fogo, "daqueles dias de cobra da maior humilhação". 

As heranças nunca poderiam ser tão boas para quem sofreu violência e sobreviveu. Muitos sobreviveram bem, graças a Deus, outros nem tanto. Os que contaram a história vivida, ainda era pouco diante de tantas perdas, tantos desaparecidos e herdeiros que ainda esperam uma notícia, que seja, para poderem então enterrar velhas memórias e descansar o espírito de quem sofreu e de quem herdou essa infâmia violenta de "dias de céu de brigadeiros".

A Comissão da Verdade tem nos dado novas informações e aberto registros, documentos e provas de que os brasileiros, da época, estavam certos. Os  heróis da resistência compraram a briga, muitas vezes desigual, de combate aos dias de chumbo. 

Ao completar 50 anos, desde que a ditadura se instalou no Brasil, já apregoamos, nalgum momento, "tortura nunca mais", avançamos em direitos universais e continuaremos brigando para que seja posto, a descoberto, qualquer segredo encoberto pelo véu de um tempo que ninguém precisa esquecer. Especialmente, enquanto tudo não estiver às claras e tenha sido feita justiça a quem ainda aguarda notícias reais dos seus.

E para nunca esquecer é que reproduzo assunto de fevereiro de 2013. Um sobrevivente daqueles tempos obscuros, deixou esse tempo de sua hora e registrou à memória e à história brasileiras seu nome e vivência, mesmo que não + esteja entre o mundo das más lembranças e o que lhe havia sobrado da boa herança de seus pais.


DITADURA MILITAR 19/FEB/2013 ÀS 09:49



Carlos Alexandre Azevedo pôs fim a sua vida no sábado (16), aos 40 anos. Ele foi a vítima mais jovem a ser submetida à violência por parte dos agentes da ditadura militar. Tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista

O técnico de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.

Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura militar. ‘Travessias torturadas’ é o título do livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi torturado quando era bebê (Foto: Júlia Moraes / Istoé , 2010)

Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja católica.

Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família. Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.

Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos.

Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço. Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.

Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.

Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e democracia.

Poderia também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais. Mas seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se legitimar.

(Em 2010, em entrevista à revista IstoÉ, Carlos Azevedo relatou o drama vivido desde a tortura sofrida)

A morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops.

A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos. No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos. Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.

A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça. Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo. Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa um livro intitulado Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas.

Contando histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da ditadura.
Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa"

Fonte: (www.pragmatismopolítico.com.br)

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