Para nunca esquecer
por maneco nascimento
Com a abertura dos porões da Ditadura Militar (forjada no golpe de 1964), se pode agora desvendar segredos, guardados sob força e fogo, "daqueles dias de cobra da maior humilhação".
As heranças nunca poderiam ser tão boas para quem sofreu violência e sobreviveu. Muitos sobreviveram bem, graças a Deus, outros nem tanto. Os que contaram a história vivida, ainda era pouco diante de tantas perdas, tantos desaparecidos e herdeiros que ainda esperam uma notícia, que seja, para poderem então enterrar velhas memórias e descansar o espírito de quem sofreu e de quem herdou essa infâmia violenta de "dias de céu de brigadeiros".
A Comissão da Verdade tem nos dado novas informações e aberto registros, documentos e provas de que os brasileiros, da época, estavam certos. Os heróis da resistência compraram a briga, muitas vezes desigual, de combate aos dias de chumbo.
Ao completar 50 anos, desde que a ditadura se instalou no Brasil, já apregoamos, nalgum momento, "tortura nunca mais", avançamos em direitos universais e continuaremos brigando para que seja posto, a descoberto, qualquer segredo encoberto pelo véu de um tempo que ninguém precisa esquecer. Especialmente, enquanto tudo não estiver às claras e tenha sido feita justiça a quem ainda aguarda notícias reais dos seus.
E para nunca esquecer é que reproduzo assunto de fevereiro de 2013. Um sobrevivente daqueles tempos obscuros, deixou esse tempo de sua hora e registrou à memória e à história brasileiras seu nome e vivência, mesmo que não + esteja entre o mundo das más lembranças e o que lhe havia sobrado da boa herança de seus pais.
DITADURA MILITAR 19/FEB/2013
ÀS 09:49
Carlos Alexandre Azevedo pôs fim a sua vida no
sábado (16), aos 40 anos. Ele foi a vítima mais jovem a ser submetida à
violência por parte dos agentes da ditadura militar. Tinha apenas um ano e oito
meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista
O técnico
de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir
uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava
quadro crônico de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências
Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de
S. Paulo.
Ao 40
anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai
ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na
resistência contra a ditadura militar. ‘Travessias torturadas’ é o título do
livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo
literário que a Folha de S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi torturado quando era bebê (Foto: Júlia
Moraes / Istoé , 2010)
Carlos
Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a
violência por parte dos agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito
meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista.
Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a
pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda,
principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja católica.
Dermi já
estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do
delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em
São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da
família. Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais
derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não
havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.
Com a
prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado
com pancadas e choques elétricos.
Depois de
ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um
recomeço. Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três
filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida
sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde
trabalhar regularmente.
Aprendeu
a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino,
segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens
que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.
Para não
esquecer
O
jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no
meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em
Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa do
Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e democracia.
Poderia
também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à
qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e
organismos oficiais. Mas seu testemunho como vítima da violência do Estado
autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando a falta
de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a
Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se
legitimar.
(Em
2010, em entrevista à revista IstoÉ, Carlos
Azevedo relatou o drama vivido desde a tortura sofrida)
A morte
de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e
talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no
histórico de crimes dos agentes do Dops.
A
imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série
controversa de motivos. No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo
suplanta todos esses argumentos. Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi
Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de
uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.
A
imprensa poderia lhe fazer alguma justiça. Por exemplo, identificando os
integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da
família Azevedo. Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os
agentes encontraram em sua casa um livro intitulado Educação moral e cívica e
escalada fascista no Brasil, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani.
Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Contando
histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os
alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da ditadura.
Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa"
Fonte: (www.pragmatismopolítico.com.br)
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