Escatologia do rir e entreter
por maneco nascimento
“Todo Mundo mora no Dirceu”, espetáculo para texto e direção
de Franklin Pires estreou neste último final de semana, 14 e 15, no palco do
Theatro 4 de Setembro, às 20h. Para quem vai desarmado e sem qualquer
resistência ao teatro do riso e entretenimento, encontra prato cheio de
estímulo ao gargarejo.
O autor e diretor da montagem tem “feeling” para vender o
cotidiano risível das periferias, presente em qualquer humanidade sujeita de
inquietações, alegrias e de desbocada simplicidade para arguir a vidinha comum,
sem comprometer a + ninguém, que não seja a si própria. Réu confessa, essa
periferia vive a felicidade e vende saúde de estar no território apropriado.
Franklin Pires radiografa essa vida corriqueira e transforma em piada para
impactar prazer e crítica ao animal que ri de si mesmo.
Peculiaridades, histórias de “barracos” e humor venal
rasteirado no linguajar das personagens inspiradas em moradores do bairro, pelo
menos fictício, que dá nome ao drama derramado e cômico. Pires também encarna
uma personagem, de nome Dirceu, filha de uma dona de restaurante popular.
O trabalho da cozinha do restaurante e a vida doméstica da
casa se misturam e envolvem a mãe, o irmão dela, a empregada Saracutiana, o
filho diferente, Dirceu, e os que transversalizam o enredo do patinho feio,
alçado a cisne, à custa da pílula mágica da mudança de personalidade. É
diversão para “mangar” dos intérpretes em suas personagens escatológicas e de
uma verossimilhança uteral das ironias e picardias ao simplório das periferias
expiadas.
João Vasconcelos, um desbunde de coragem para urdir besteirol
em fé consignada à arte do teatro do riso. Do travesti ao tio gordo e covarde,
com variáveis entre pivete violento e o ciclista na avenida das hortas, se diverte
divertindo a assistência.
Franklin Pires varia do patético, feioso e rejeitado ao
potente às custas da energia da falsa imagem criada pela fantasia mágica da
dependência química da pílula da felicidade. Convence, já que proposta de
brincar, assumidamente, de vender estilo criativo e popular na formação do
próprio público cativado.
Edith Rosa já deu provas de que sabe ser boa e o faz bem. Sua
dona de casa, mãe, patroa e “periguete” sob efeito da pílula, entre outras
variações, só reafirma o quanto consegue prender a atenção pela naturalidade e
histrionismo inato de transformar o público em mariposas para a luz. Uma
pequena em notável conforto e desprendimento enquanto atua.
(Franklin Pires, Edith Rosa e Bruno Lima/divulgação)
Zé Carlos di Santis consegue, com a empregada e cozinheira, Saracutiana,
efetuar uma overdança pelo corpo inquieto e falante. Uma lagartixa no asfalto
de Teresina não seria tão desprendida em driblar o calor sem perder a pose. A
construção forjada por di Santis é de uma eletricidade alcalina. Ninguém
resiste à histeria e dinâmica impulsiva que Saracutiana impõe na cena doméstica
de “Todo Mundo Mora no Dirceu”.
Bruno Lima, o gerente de supermercado e traficante, uma
surpresa e um pulo do gato que sempre encontra novelo de linha para destrinchar
o “mètier” que vem garimpando ao longo das experiências divididas na saga da
Cia. de Teatro da Tribo. O valente Tonhão fica na média do ator em ação do nada
menos fácil exercício da comédia.
Aliniê Moura começa a ganhar + espaço para alimentar seu
talento já declarado na cena da cidade. No espetáculo, Aliniê encarna Nina, o
grande amor de Dirceu. Entre encontros e desencontros, Nina e Dirceu acabam por
descobrir que o amor é lindo, com todas as diferenças que os separavam. A sua
prostituta longilínea, não é só exótica, mas tem perfil definido de construção
da personagem, com margem e mergulho realizados pela atriz.
A cena escatológica não chove no molhado. Há, na dramaturgia
apresentada, o discurso explícito, embora distraído pelo riso, do garoto que se
acha feio, derrotado, sem nenhuma ambição, a não ser o amor platônico
alimentado pela garota mais popular do bairro e namorada do valentão do pedaço.
O já rejeitado por quase todos toma um atitude, ou melhor, uma pílula milagrosa.
Personalitex, lançado no mercado exterior do bairro, mas com
entrada no circuito do tráfico através do câmbio negro, é a solução encontrada,
por Dirceu, para vencer todas as suas dificuldades e ganhar coragem, ousadia,
sensibilidade e humor nas cores da cápsula milagrosa. A cada uso das pílulas,
Dirceu assume o efeito prometido pelo medicamento e a ausência deste causa os
humores da abstinência e os dissabores advindos da dependência química.
Franklin Pires, numa assimetria estética do enredo de “O
Médico e o Monstro” cobra reflexão da plateia a partir do conflito do diferente
na busca da conquista do território dos iguais. A dependência química, na peça,
inspira olhar para contrabando de medicamento, mudança de personalidade, adversidade
no humor e mercados da construção da imagem social que se adeque a padrões de
cisne.
“Todo Mundo mora no Dirceu” faz rir, mas discute problema
sério e comum em qualquer periferia dos centros urbanos, drogas, marginalidade
e humanidade em busca de aceitação e pertencimento. A brincadeira popular e de
estratégias criada para divertir e entreter, também fala sério porque arte é
transformadora. São 1h20 minutos que ainda reúnem, na composição dramática, a
luz de Pablito e a operação de som de Jonathan Barros.
A moral fabular de “Todo Mundo mora no Dirceu”, caso encontre
trocadilho do bairro com a personagem que protagoniza a comédia, seria o de que
todo mundo tem defeitos que moram no Dirceu e refletem de si mesmos ao patinho
feio e deste aos outros filhos da mesma ninhada. E que conquistar a atenção e o
coração da versejada felicidade, está em conquistar o coração de si mesmos.
(O triângulo dos barbudos de "Todo Mundo mora no Dirceu/divulgação)
Seis personagens à procura da felicidade encontram enredo em “Todo
Mundo mora no Dirceu”. A brincadeira é séria com aparência de despretensiosa.
Faz rir, permite que se “mangue” do escatológico apresentado e gera teatro para
gostar ou torcer o nariz.
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