Entre
intenções e o pardo
por
maneco nascimento
O
20º. Festival Nacional de Monólogos “Ana Maria Rêgo” possibilitou na tarde do dia 8 de
agosto de 2013, a partir das 16 horas, no palco do Teatro João Paulo II, o
espetáculo, vindo de Recife, no Pernambuco, “Pranto de Maria
Parda”. Com texto original de Gil Vicente, embrionado para dramaturgia de cena,
sob a égide de tragicomédia, por Moncho Rodriguez e dado corpo à interpretação
da personagem por Gilberto Brito.
Da
cenografia, de originalidade de apresentação da cultura nordestina de bordados
(“colchonilo”), o palco é recortado para três tapetes que pendem do céu da
caixa cênica do teatro até o limite do “chão” do palco. As três peças de
tapetes, de retalhos diversos, triagulizam a área de passagem, mudança de manifestação
da personagem na espacialidade dramática e, também, porta de fuga de uma variação
de chegada e partida breve da velha que reconta a própria sorte.
Maria
Parda, uma personagem nascida da mente brilhante de um dos mais maravilhosos e
tradicionais dramaturgos medievos da Europa, sendo representante orgulhoso da
língua portuguesa. O autor retratou em sua refinada comicidade a sociedade portuguesa
de seu contexto, com uma arguta observação do perfil psicológico das personagens criadas em seu repertório variado de tipos populares, profanos, anjos,
demônios, monarcas e plebeus. Crítico dos costumes em sua severidade
histriônica. Um voraz artífice das artimanhas das personagens representadas, um
dos + importantes autores satíricos da língua portuguesa.
Tido
como pai do teatro português, ou também ibérico, dividindo a partenidade ibérica
com Juan del Encina, pois escreveu ainda em castelhano, compôs 44 peças
prospectando personagens do espectro social português. Marinheiros, ciganas,
camponeses, padres, fadas e demônios aplicados na profundidade lírica aos
dialetos e linguagens populares. As farsas, comédias e tragicomédias falam por
si mesmas. A obra vicentina atua na mudança dos tempos e passagem da idade
Média para o Renascimento, subvertendo na licença poética a regência inflexível
das hierarquias e ordem social da sociedade espiada.
Dentre
suas pérolas, “Pranto de Maria Parda”, trazida numa versão contemporizada pela
construção da personagem, realizada por Gilberto Brito, para olho artístico
científico do diretor Moncho Rodriguez. Dessa revisitação a texto vicentino, a
dupla de artistas mantém a tradição na construção da máscara medieva e traços de
costumes, acompanhando os meandros da apresentação da personagem que regurgita a
própria sorte, enquanto solicita, deseja um pouco de bebida para contribuir à
permanência da vida que expõe à sensibilização da audiência.
O
intérprete Gilberto Brito mantém uma ordem cronológica de composição que
corporifica ação da personagem na máscara trágica, no registro vocal em que
assenta toda a compostura da velha que pede atenção e rumina sua história. O
figurino também se reverte ao ambiente da geografia dramática, com direito a
longa calda de andrajos negros e representativos na escolha de leitura à
dramaturgia de palco experimentada. A maquiagem ressignifica a mora e o
expressionismo revelador da alma áspera e angustiada da representada.
Para
cenografia que resguarda um ação para economia de trânsito dramático, tem
função de fuga do ilustrativo. Por vezes a personagem se envolve e reorienta o
que poderia ser cortina, manto ou proteção da alma desnuda. A funcionalidade, como
contrarregra, corre ao enredo aplicado, sem forçar ocupação do elemento móbile à
história que se apresenta.
Na
quebra da tradição, o dramaturgo adaptador do original, à leitura de reinvenção,
investe na quebra da quarta parede ao incitar por vezes um diálogo indireto disfarçado e,
por outras, um direto e até coloquial com direito a incursões por dialeto
urbano e banal da hora desse século maior de idade, em que intervimos com nossa
própria picardia irônica e dramaticidade moderna. O discurso dramático direto encontra
recepção para entendimento e para choque em intervenção provocada. Um misto de
novidade e de surpresa na possibilidade aplicada.
A
luz e sonoridades também contribuem, diretamente, ao feito buscado por diretor
e intérprete. “Pranto de Maria Parda” se estabelece. Há, no intérprete, uma amargura e ironia
amiudadas que se espelham não só na riqueza da composição original de autor,
como na que se observa obtida pelo intérprete criador. As vozes que lhe saem da
boca “maldita” têm peso de maturidade de compreensão dramática e vigor de
inflexões consentidas ao drama, com altivez de respostas encontradas.
“Pranto
de Maria Parda” de Moncho Rodriguez, insiste em tempo de quase súplica
letárgica que quase abre armadilha ao arrastar do tempo, já longo, mas parece
empreender proposta de elasticizar a ação para cansaço da personagem que
precisa ser notada e repercutir a crítica dos costumes, que reconta, na esperança
de encontrar redenção.
Em
não conseguindo a melhor recepção por escolha de dramaturgia, de diretor, que
tartaruga o mote para impregnar o objeto expiado, feito tatuagem, a ação
dramática realizada se impõe pela força do intérprete e sua máscara dramática, no texto beirado na fidelidade autoral e a cenografia, que econômica, tem lugar de
observação sensível por quem se propõe a consentir recepcionar toda a leitura
dramática exercitada.
(Programa do FestMonólogos 2013/material divulgação)
“Pranto
de Maria Parda” é da ibéria gilvicentina e, também, das heranças que chegaram ao
nordeste das linguísticas incorporadas a palcos e extensões da linguagem
pesquisada. Entre intenções primitivas de origens e o pardo das novas terras, desempenha teatro.
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