sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Entre intenções e o pardo

Entre intenções e o pardo
por maneco nascimento

O 20º. Festival Nacional de Monólogos “Ana Maria Rêgo” possibilitou na tarde do dia 8 de agosto de 2013, a partir das 16 horas, no palco do Teatro João Paulo II, o espetáculo, vindo de Recife, no Pernambuco, “Pranto de Maria Parda”. Com texto original de Gil Vicente, embrionado para dramaturgia de cena, sob a égide de tragicomédia, por Moncho Rodriguez e dado corpo à interpretação da personagem por Gilberto Brito.

Da cenografia, de originalidade de apresentação da cultura nordestina de bordados (“colchonilo”), o palco é recortado para três tapetes que pendem do céu da caixa cênica do teatro até o limite do “chão” do palco. As três peças de tapetes, de retalhos diversos, triagulizam a área de passagem, mudança de manifestação da personagem na espacialidade dramática e, também, porta de fuga de uma variação de chegada e partida breve da velha que reconta a própria sorte.

Maria Parda, uma personagem nascida da mente brilhante de um dos mais maravilhosos e tradicionais dramaturgos medievos da Europa, sendo representante orgulhoso da língua portuguesa. O autor retratou em sua refinada comicidade a sociedade portuguesa de seu contexto, com uma arguta observação do perfil psicológico das personagens criadas em seu repertório variado de tipos populares, profanos, anjos, demônios, monarcas e plebeus. Crítico dos costumes em sua severidade histriônica. Um voraz artífice das artimanhas das personagens representadas, um dos + importantes autores satíricos da língua portuguesa.

Tido como pai do teatro português, ou também ibérico, dividindo a partenidade ibérica com Juan del Encina, pois escreveu ainda em castelhano, compôs 44 peças prospectando personagens do espectro social português. Marinheiros, ciganas, camponeses, padres, fadas e demônios aplicados na profundidade lírica aos dialetos e linguagens populares. As farsas, comédias e tragicomédias falam por si mesmas. A obra vicentina atua na mudança dos tempos e passagem da idade Média para o Renascimento, subvertendo na licença poética a regência inflexível das hierarquias e ordem social da sociedade espiada.

Dentre suas pérolas, “Pranto de Maria Parda”, trazida numa versão contemporizada pela construção da personagem, realizada por Gilberto Brito, para olho artístico científico do diretor Moncho Rodriguez. Dessa revisitação a texto vicentino, a dupla de artistas mantém a tradição na construção da máscara medieva e traços de costumes, acompanhando os meandros da apresentação da personagem que regurgita a própria sorte, enquanto solicita, deseja um pouco de bebida para contribuir à permanência da vida que expõe à sensibilização da audiência.

O intérprete Gilberto Brito mantém uma ordem cronológica de composição que corporifica ação da personagem na máscara trágica, no registro vocal em que assenta toda a compostura da velha que pede atenção e rumina sua história. O figurino também se reverte ao ambiente da geografia dramática, com direito a longa calda de andrajos negros e representativos na escolha de leitura à dramaturgia de palco experimentada. A maquiagem ressignifica a mora e o expressionismo revelador da alma áspera e angustiada da representada.

Para cenografia que resguarda um ação para economia de trânsito dramático, tem função de fuga do ilustrativo. Por vezes a personagem se envolve e reorienta o que poderia ser cortina, manto ou proteção da alma desnuda. A funcionalidade, como contrarregra, corre ao enredo aplicado, sem forçar ocupação do elemento móbile à história que se apresenta.

Na quebra da tradição, o dramaturgo adaptador do original, à leitura de reinvenção, investe na quebra da quarta parede ao incitar por vezes um diálogo indireto disfarçado e, por outras, um direto e até coloquial com direito a incursões por dialeto urbano e banal da hora desse século maior de idade, em que intervimos com nossa própria picardia irônica e dramaticidade moderna. O discurso dramático direto encontra recepção para entendimento e para choque em intervenção provocada. Um misto de novidade e de surpresa na possibilidade aplicada.

A luz e sonoridades também contribuem, diretamente, ao feito buscado por diretor e intérprete. “Pranto de Maria Parda” se estabelece. Há, no intérprete, uma amargura e ironia amiudadas que se espelham não só na riqueza da composição original de autor, como na que se observa obtida pelo intérprete criador. As vozes que lhe saem da boca “maldita” têm peso de maturidade de compreensão dramática e vigor de inflexões consentidas ao drama, com altivez de respostas encontradas.

“Pranto de Maria Parda” de Moncho Rodriguez, insiste em tempo de quase súplica letárgica que quase abre armadilha ao arrastar do tempo, já longo, mas parece empreender proposta de elasticizar a ação para cansaço da personagem que precisa ser notada e repercutir a crítica dos costumes, que reconta, na esperança de encontrar redenção.

Em não conseguindo a melhor recepção por escolha de dramaturgia, de diretor, que tartaruga o mote para impregnar o objeto expiado, feito tatuagem, a ação dramática realizada se impõe pela força do intérprete e sua máscara dramática, no texto beirado na fidelidade autoral e a cenografia, que econômica, tem lugar de observação sensível por quem se propõe a consentir recepcionar toda a leitura dramática exercitada.
 

(Programa do FestMonólogos 2013/material divulgação)

“Pranto de Maria Parda” é da ibéria gilvicentina e, também, das heranças que chegaram ao nordeste das linguísticas incorporadas a palcos e extensões da linguagem pesquisada. Entre intenções primitivas de origens e o pardo das novas terras, desempenha teatro.

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