Aboio teatral
por maneco nascimento
Vindo de Goiânia, tangendo um boi feito homem e um homem para as vezes do boi, Guido Campos fechou a semana de espetáculos concorrentes ao 18º. Festival Nacional de Monólogos “Ana Maria Rêgo” – Prêmio Zezé Lopes, dia 13 de agosto de 2011, na terra apropriada do Theatro 4 de Setembro, com virtuose de lição de amor bem aprendida.
Com “Boi”, em 50 minutos de duração e direção de Hugo Rodas, o ator Guido Campos inicia, para tempos de apresentação, recepção e prólogo de espetáculo, uma interação variável entre carnavalização de abre atos e provocação do público ao incentivo de integrá-lo à “farra” do boi.
(Guido Campos: "Boi"/foto: Layza vasconcelos)
O texto que abre a cena, propriamente, é o do primeiro pé plantado no curral. Faz-se em caminho de luz no labirinto do mito de homem feito bicho. A partir daí o “minotauro” vai desvendando seu pasto, seu rancho margeado de riacho, sua rotina de escuridão e luz, sua vereda de perdição e hora da transmutação redentora do homem coisificado à sorte do sentimento de própria escolha.
A cenografia, uma mesa para banquetes e signos, dois tecidos (o vermelho e o preto), um berrante, um punhal, duas máscaras do boi de tradição e ruptura e um corpo falante ornado de um chocalho, toda prática.
(Guido Campos: "Boi" e seu berrante/foto: Layza Vasconcelos)
A luz do espetáculo parece mimetizar-se com a do ator. Sai dos pinos, mas forja-se irradiada das patas do ruminante. A construção das personagens de Guido Campos se unifica para quase mesmo padrão. Por vezes as vozes de Agemiro, o amante de bois e currais, vociferam sentimentos num pulso estridente, mesmo para a linha de margem das conversas agressivas de currais e aboios.
A máscara da velha mãe, da mulher Das Dores, da Dos Anjos, pretendente a casamento e a do próprio Zé Agemiro, ora se confundem, ora se misturam e outras + se mimetizam para traquejos vocais similares, saídos da cornucópia de ressonância.
A + das vezes a energia centrada do ator e seu método caem na armadilha da caricatura e cacoetes disfarçados de verdade cênica, nem sempre a parecer risível, mas para cumprir uma mímesis das memórias afetivas.
Encenação de energia inteira, com todos os alinhavos dentro da mesma corrente de mapeamento dramático. Ponto alto do espetáculo, as coreografias mágicas de construção das trocas de roupas da mulher Das Dores, enquanto cobra ciúme do marido Agemiro que sofre de fascínio pelo boi preferido.
(Guido Campos: "Boi" em sua Das Dores/foto: Layza Vasconcelos)
Adereços ricos e simples, uma cabeça de boi cego, a do minotauro, uma sandália de borracha feito pata, um punhal para sangue e areia e a cabeça colorida em vermelho com olhos negros que planta-se no peito do homem assumido como boi no ápice da encenação do bicho-homem mitificado.
A direção dramatúrgica, inteira, enceta uma certa rota de condicionamentos que se eficientizam também pela cartografia coreográfica, pelo calor de paixão à cena ruminada e pela marca de identidades dos contextos cênicos tatuados de sabores humanos.
Sondado do universo rural do ciclo do gado do centro-oeste, mas de qualquer campo de criação, o espetáculo “Boi”, de Hugo Rodas e Guido Campos, na forma construtivista da cena desconstrói memórias e reinventa novas leituras ao velho sonho do teatro brasileiro, o ator e a cena.
Vende a carne do “Boi” e num aboio teatral acerta para o mítico, para o lúdico e para a ciência aberta da dramaturgia de laboratórios experimentados. Teatro para placebo, mas também para efeito de cura pajelada.
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