sábado, 26 de março de 2011

O c. do mundo não é aqui.

por maneco nascimento

Para gregos, troianos e tantos outros povos que construíram cultura de teatro, porque de domínio do homem (genérico), há sempre uma necessária presença de como as identidades e pertencimentos vão dando obras à arte.

Assim a humanidade em seu eixo de construção sócio-cultural vai desempenhando seu papel dentro e fora do espetáculo da vida. Quer seja na arte da vida ou na da mímesis da vida há sempre a presença do criativo para o + nobre e, outras vezes, nem tanto.

As culturas como qualquer manifestação de qualquer sociedade carregam consigo as idiossincrasias, os conceitos, os pré-conceitos e os discursos de poder e “distinção” de seus próprios pares. Assim, carmim ou pálida, se apresenta a face social para contextos convenientes.

Para a sociologia, os atores sociais. Para a antropologia, mãe da cultura, os atores culturais. Para o teatro, imperativo os atores da cena à dialética prática do visível para o invisível, da história do homem acionada para o lúdico e a reinvenção do cotidiano em que se espelha a arte do fingimento.

Do primitivo das manifestações cênicas “expressões lúdicas e mágicas, em louvor da sedução da divindade” (Dr. Francisco Fragoso, Lisboa/abril-maio/2004 In Branco, João. Nação Teatro – História do Teatro em Cabo Verde. Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2004, 439p.) se construiu o cênico a partir de atos religiosos e ritualísticos à herança do teatro contemporâneo.

Na contemporaneidade, há distinções entre a arte de continuar a prática milenar em diversos matizes da cena e, uma outra construída aos celebrizados. Os do mundo midiático e de canais massivos ao ralo da funda indústria cultural. Assim há o ato cênico para homens e mitos inconfundíveis e o ato falho para o suspeito corifeu das vaidades.

Recentemente, espetáculo do Rio de Janeiro, contratou produção local para campanha de temporada do espetáculo “Fica Frio”, de Mário Bortolotto e direção de Raoni Carneiro. No elenco, “os globais”, Kayky Brito, Germano Pereira e um coadjuvante Marauê Carneiro.

                                (Kayky Brito e Marauê Carneiro em Teresina. foto: portal 180 graus)

Fica Frio” se apresentou dia 23 de março, a partir das 20 horas, no palco do Teatro Municipal João Paulo II e deveria cumprir final de semana, nos dias 25, 26 e 27 de março, no Teatro da Assembléia, em seguimento a estratégia de circulação da peça pelo nordeste.

A produção local despretensiosa e lenta, parece ter perdido o bonde da dinâmica de divulgação e publicidade de espetáculos, especialmente para atrair o interesse de público voltado às celebridades da caixinha mágica da tevê. A produção nacional ficou decepcionada com o rendimento de público ao primeiro dia da temporada em Teresina, 23 de março de 2011.

O ator coadjuvante, Marauê Carneiro, em licença “profética” de visão estreita, teria postado em twitter que o “Piauí é o c. do mundo.” E, em ato de decisão política, o Presidente da Assembléia Legislativa do Piauí, achou por bem cancelar a temporada do espetáculo que ocorreria no Teatro da Assembléia.

O desavisado rapaz ainda teria se justificado que postara comentário ouvido em mesa de restaurante, quando em companhia dos seus. A emenda saiu pior que o soneto e perdeu-se a poesia, a literatura da construção de homens melhores, a arte e a dramaturgia que reitera cultura e sociedade mais livres de preconceitos e discriminação.

O ator carioca parece ter perdido a oportunidade de uma boa atuação social em Teresina. Sua primeira fala, deslocada, desabou procênio abaixo, obscurecendo o teatro feito para fins de deleite e prazer do público.  

Determinada prática de teatro brasileiro arrasta a estética da tevê ao palco. Repete um teatro morto no crédito de que todo o mundo acorrerá no rastilho do brilho da estrela midiática. Nem sempre funciona tão fácil assim e se a produção não se mexer, esse tipo de teatro já forjou-se natimorto.

Fica Frio” e sua companhia de celebridades esfriou a própria sorte, porque o Piauí não é o c. do mundo. Só dublês de artistas em sua falha trágica e língua morta podem vomitar discurso que macule a boa prática do teatro brasileiro e o imprescindível público que o aplaude.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Memórias culturais


por maneco nascimento

No último dia 01 de março de 2011, foi aberto no Palácio da Música, a partir das 9 horas da manhã, o Projeto Encontro de Lendas. Reunindo artistas, autoridades da área cultural, simpatizantes e afins.

O coordenador do Projeto, Vagner Ribeiro, abriu os serviços falando da importância da história e memória oral e da homenagem que este ano se prestaria ao escritor e pesquisador de cultura popular das lendas, Fontes Ibiapina, o “Nonon” , um ampliador desse universo criativo através da sua  literatura produzida.

Laurenice França, Presidente da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, convidada a se manifestar, saudou a todos os presentes e oficialmente deu início ao Projeto que envolverá diretores, professores, escolas e aluno (a)s da zona rural de Teresina na reinvenção das lendas e contos populares através da dança, da música, da contação das histórias orais e reprodução em quadrinhos das manifestações de memórias primordiais e afetivas, através das oficinas praticadas.

O convidado especial para a ocasião, que falou pelo homenageado, foi o escritor, turismólogo, parente e conhecedor da obra de Fontes Ibiapina, Eneas Barros. O neto de “Nononpuxou pela memória as boas lembranças do avô aberto, conversador, alegre e que mantinha a casa sempre cheia de gente, gostava de receber as pessoas.

Eneas Barros testemunhou que seu avô deixou todo um material de pesquisa muito organizado e que o mundo literário e sua vida pessoal influenciaram a obra produzida. Na palestra surgiram os nomes comuns e apelidos registráveis, como o do irmão de “Nonon”, Antonio Moura Ibiapina, conhecido comoPebinha”.

O pai de Fontes, Pedro Moura Ibiapina, dono de carnaubais e gados, queria o filho fazendeiro que só iniciou as primeiras letras aos 13 anos, com o tioQuincó”. O tio reclamava do menino acanhado, que “não queria nada”, não prestava atenção. Depois de uma conversa trabalhada com os pais, Pedro Moura e Mundica Moura, desarnou e acabou sendo assistente do tio-mestre na escola.

Autor de “Chão de meu Deus”, com memórias investidas para contos comoTangerina”, “Tropeiros”, entre outros, reinventou, segundo o neto Eneas, a realidade observada no terreiro da fazenda. Registros recolhidos das horas vividas na Fazenda Vaca Morta, da família de Mundica e na Fazenda Lagoa Grande, da família de Fontes Ibiapina.

Eneas Barros tem no armário de recordações a memória de uma família que gostava de contar histórias de lendas e contos fabulosos. Que entre os contadores de histórias havia o escravoIndinho”, herança das famílias, que juntava crianças no terreiro para exercitar a excelência de contar histórias.

Pedro Moura e Mundica tinham talento nato para contadores de histórias. “Nonon” cresceu ouvindo histórias e também contou histórias aos filhos e netos, na hora de fazê-los dormir. Deixaria uma visita, na sala, aos cuidados dos outros, para ir enlear os netos com memórias fabulares.

Fontes Ibiapina teria passado para o papel, literário, todas as histórias ouvidas durante sua infância. Adorava forró, dançava “feito o cão”, gostava de se divertir, era namorador. E, nas palavras carinhosas do neto sobre pesquisas realizadas, aponta que o primeiro texto literário do avô, escrito em 1950, surgira a partir da conversa das comadres ouvida no terreiro da fazenda, “Palestra de Comadres”.

Escreveu “Palha de Arroz”, sobre os incêndios criminosos da década de 40 na Teresina; “Terreiro de Fazenda”; “Passarela de Marmotas”; “Congresso de Duendes”; “Curral de Assombrações”; “O Tombador”; “Desfile de Malucos”, entre outras obras de particulares, estratégias de revificação da memória popular.

O Pesquisador de costumes, Juiz da Vara de Família, com produção em torno de 266 textos entre romances, contos, novelas, teatro, pesquisas, etc., recolhia as personagens das contações do povo comum que temia os “empaltados” e mágicos.

Logo, percebe-se que, pelo histórico apresentado pelo neto de Fontes Ibiapina, não se poderia furtar da homenagem que a Prefeitura de Teresina, através da Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves, presta a alguém que soube com muita sensibilidade recuperar o que há de + autêntico na comunidade.

O Projeto Encontro de Lendas que envolve 6 escolas municipais, da zona rural de Teresina, cria nessa possibilidade cultural a revisitação da história oral e contação de lendas e repete, criteriosamente, a prática de facilitação, absorção e registro planejado às gerações posteriores da memória social oral.

  

terça-feira, 1 de março de 2011

Motorista, tão bonzinho!!

por maneco nascimento

O que nos possibilita as novas tecnologias senão podermos comprovar “in loco” as versões, quando se precisa contrapor as outras, preparadas ao desvio da responsabilidade. As cenas chocantes de um motorista atropelador de ciclistas em Porto Alegre parecem não deixar muitas dúvidas de quem seria o vilão da história.

Tentando acertar na busca de outras vias que melhor criem relações sociais, saudáveis, e direitos assegurados a qualquer cidadão, é que  + de 20 ciclistas em grupo de uma centena foram (o vídeo no you tube não deixa dúvidas) intencionalmente atropelados enquanto pedalavam, na última sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011, na Rua José do Patrocínio, em Porto Alegre (RS).

(foto: Outras Vias - mobilidade urbana e bicicletas em São Paulo)

“(...) um motorista apontou seu carro, acelerou e disparou intencionalmente contra mais de uma centena de pessoas que pedalavam na rua José do Patrocínio (...) Até o momento, as autoridades gaúchas consideram que o motorista do Golf preto é “suspeito” de um “acidente de trânsito” que resultou em “lesão corporal”. (Thiago Benicchio/Outras Vias – Mobilidade urbana e bicicletas em São Paulo/28.02.11)

(arte tncbaggins)

A mobilização internacional, chamada de Massa Crítica ou Bicicletada que nasceu na cidade de São Francisco (EUA) não é, segundo Thiago Benicchio, um movimento tradicional. Sem organizadores, regimentos ou plataforma, consiste essencialmente em um encontro para pedalar em grupo, durante algumas horas da última sexta-feira de cada mês.


Na última sexta-feira, 25 de fevereiro, foram colhidos pela má sorte à traição de crime premeditado para muitos e, talvez, “acidente” para alguns outros. Até aquela fatídica tarde de Porto Alegre nunca tinha havido circunstância tão agressiva e animal em qualquer lugar onde a bicicletada acontece.


(foto: Cristiano Estrela/Hoje em Dia)

“O agressor não presta socorro, abandona seu carro e foge. É a fórmula brasileira para sair de qualquer enrosco: fugir do flagrante. Esse é o típico ‘monstrorista’ jargão usado entre os ciclistas para classificar o motorista que usa o seu carro deliberadamente como uma arma.” (O monstrorista de Porto Alegre/por Renata Falzoni/ESPN.com.br/28 fev. 11h54)

O funcionário do Banco Central, cheio de poder auto-constituído se defende “que acelerou o carro para se proteger”. No Bom Dia Brasil de 01 de Fevereiro de 2011, duas versões de testemunhas se confrontam.

A primeira, um motorista que não quis se identificar, confirma a versão do atropelador de que este estaria sendo ameaçado e se defendeu. Um taxista desmente essa versão de que o atropelador estaria sofrendo violência dos ciclistas.


De sorte é que nos dias em que as tecnologias nos perseguem, rápida e eficazmente, se colhe uma versão flagrante quase impossível de ser desmentida. O vídeo que o mundo hoje vê, sobre a tentativa de homicídio contra uma manifestação para que haja mais bicicletas nas ruas, não contém rasuras, nem fotoshop, nem muito menos montagem.


Sem cortes de edição, é vídeo inteiro e claro de uma realidade bruta e covarde de quem se acredita dono das ruas. Para sorte dos pacifistas do Massa Crítica gaúchos não houve mortes, graças a Deus.


Na manifestação realizada na Avenida Paulista (tarde de 28 de fevereiro de 2011) os solidários ciclistas deitaram-se numa das avenidas mais movimentadas do mundo e ninguém passou por cima deles. Há homens e homens, motoristas e taxistas, bancários arroubados e cidadãos de paz.


Um dos manifestantes da Avenida Paulista disse que as ruas não são apenas para os carros e que é preciso que haja mais tolerância no trânsito. Acho que deve haver mais trânsito livre e saudável nas relações humanas.


Voltamos à barbárie numa versão + fácil de ser praticada e, parece que + assegurada de impunidade. Nada, nada nesse mundo justificaria um motorista “bonzinho”, na versão de defesa própria, atropelar semelhantes porque irritado com quem obstrui seu caminho de poder.


Parafraseando o velho e digno Drummond: quem mandou o ciclista ficar no meio do motorista, tão bonzinho. Cidadão com emprego regular, endereço fixo e ficha de conduta “limpa”, quem sobraria para vilão poderia ser os selvagens das bicicletas.


O Brasil urge dias de homens + justos e juízes de toga + irrigada de equidade.