quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Drama de canção legal

Canção de dama legal
por maneco nascimento

O teatro de Luanda, Angola, mostrou sua força no palco do Theatro 4 de Setembro, dia 28 de agosto, às 20h30, com o espetáculo “A Órfã do Rei”, do Grupo Teatral Henrique Artes. Direcção e Encenação de Flávio Serrão e Assistência de Direcção de Adilson Vunge “Cadete”.

Teatro de feição melodramático, alça a atriz Mel Gamboa ao centro da cena, em quarenta minutos de enredo denso e dedicado, muito particular, na detida representação e boa atuação da intérprete.

 O enredo, uma das primeiras doze órfãs do Rei, em 1853, munida de um dote, é envolvida na trama da própria partida, por mar, ao reino de Angola, onde consumará o casamento com um homem de emprego garantido no funcionalismo público daquele país.

Espetáculo que leva a Assistência de Encenação, de Carla Gamboa, está no palco a uma intérprete. A cenografia, um baú de memórias amargas, um mastro de navio fincado na praia e uma luz forte e presente. A personagem, Beatriz Constância, filha dos asilos reais e envolta nos desígnios de seu protector, depõe em favor de Mel Gamboa e a torna sentimento sangrado na encenação.

Mel Gamboa detém a si uma particular ação de transformar, o texto e dramaturgia sugestionada, em ato recheado de melodrama, envolto num talento em definição concreta. Inflexões e articulações das falas da personagem ganham sabor de domínio da cena e respeito pelo ritual consagrado à epifania da dor e sofrimento que regurgita em memória dorida.


(A Orfã, de Mel Gamboa/fotos: acervo do Grupo)

De delicada apresentação que comove a recepção, numa variação entre as memórias do desconhecido futuro da nubente e as consequências de obrigações matrimoniais com um estranho, a atriz desliza para o grave drama derramado e sutilezas da ignorância infantil da personagem que atingem a intérprete com verdade e risco de cena planejada. O teatro sem tradução se elege pela força da atriz.

A iluminação do espetáculo tem um viés particular, de cores quentes e recortes que redomam + o mapeamento centrado nas agruras da personagem. O desenho de Luz, de Jorge de Palma, aliado à Técnica de Nuno Nobre e a Operação de luzes para Ailton Silvério, ratificam a cena angolana com um carinho e definição de demonstrar sua língua e linguagem em técnica de reforço à dramaturgia. Detêm o fator principal do teatro, a identidade com a cena. Acertam bem.

A produção da cena angola, realizada por Benjamin Ferrão e José Maria Barreto “Zé Maria”, causa impacto de amar, ou desistir do enredo repercutido por Mel Gamboa e Flávio Ferrão. Não é difícil optar pelo teatro vindo de Angola.

É cena orgulhosa de apresentar a própria cultura de palco e confiança em deixá-la na mão de Mel Gamboa, que nunca decepciona, entra e sai da história com acuidade de demonstrar que seu teatro confirme o exercício da equipa que a apoia na empreitada de convencimento.


(A Orfã do Rei, de Luanda/fotos: acervo do Grupo)

O Figurino e Maquilhagem de Mel Gamboa, + uma prova de concentração da atriz em desempenhar o seu melhor. Estão em versos sutis, ao corpo da personagem, para definição em licença do gesto de amor ao teatro feito crédito e fé defendidos. A Publicidade de Áudio, Hélio Taveira, e a Comunicação, de Sófia Buco, fecham o ciclo das inteirezas estéticas amparadas no ato dos artistas de Luanda.
 

(teatro derramado em desespero e abandono poéticos/idem)

De densidade poética a ciência do palco e coração pulsado à representação dramática do exercício da atriz, a peça trazida ao FEstLuso 2013, “A Órfã do Rei”, de Mel Gamboa e Flávio Ferrão, se garante e confirma teatro sem tradução.

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